quarta-feira, 1 de maio de 2013

Libertários Pela Redistribuição



Por Gary Chartier


Libertarianismo é um projeto redistributivo. Esse é um outro ponto de vista em que o anarquismo de mercado radical é justamente visualizado como parte da tradição socialista.
Estatistas de esquerda e direita são a favor da redistribuição da riqueza. Libertários, pelo contrário, se assumem muitas vezes como totalmente contrários a toda forma de redistribuição. Mas é importante perceber que se este é realmente o caso ou não depende de como nós responderemos a várias perguntas:
  • Agente: quem efetua a redistribuição?
  • Questão racional: o que justifica a redistribuição?
  • Meios: como a redistribuição seria realizada?

Redistribuição Estatista

Para estatistas, o
agente da redistribuição é o estado. As questões racionais para a redistribuição são principalmente consequencialistas - se vendo como destinada a trazer algum favorecimento em seu estagio final - embora possa ser utilizada igualmente para punir os supostamente indignos e recompensar os indiscutivelmente virtuosos. Os meios? A criação de monopólios, a aprovação de regulamentações, o confisco de propriedades através do domínio forçado ou a transferência de recursos adquiridos via impostos.

Assim, ambos os tipos de estatistas mudam a riqueza de quem produz para elites politicamente favorecidas. Eles também podem, é claro, desviar os recursos para os economicamente vulneráveis, mas os maiores beneficiados desses programas são os vários grupos de pessoas mais influentes politicamente.

A redistribuição estatista é injusta porque emprega meios agressivos e porque ela é realizada pelo estado - um monopolista agressivo. É indefensável na medida em que sua viabilidade depende de uma coerência consequencialista. E é indesejável porque serve aos interesses da elite no poder, em detrimento do bem-estar das pessoas comuns.

A Redistribuição Solidária

Muitos libertários reconhecem a importância do trabalho voluntário, redistribuição
solidária, realizada por pessoas usando seus próprios recursos com o objetivo de ajudar as vítimas de acidente ou desastres ou experimentos econômicos inseguros mas não impostos pelo estado. É, de fato, perfeitamente consistente com os princípios libertários afirmar que enquanto não se usar a força para efetuar sua redistribuição solidária, a pratica de que pode, contudo, ser um dever "imperfeito": algo que se tem a responsabilidade de fazer, mas que um não deve a nenhuma pessoa específica, e que pode razoavelmente ser cumprida de várias maneiras e que não pode ser reivindicado por ninguém em particular como um direito. O agente de tal redistribuição é o indivíduo, usando seus próprios recursos e operando de forma independente ou através de uma associação voluntária. A questão racional é a importância (no entanto entendida) de ajudar quem precisa de ajuda. Os meios - todos voluntários - podem incluir contribuições para projetos relevantes, proporcionando aos desempregados, aqueles incapazes de assegurar trabalho, vários tipos de investimentos, e contribuições diretas para pessoas economicamente vulneráveis.


Redistribuição Transacional e Retificativa

Mas este não é o único tipo de redistribuição que libertários podem e deveriam favorecer. Libertários também têm boas razões para reconhecer a importância de dois outros tipos redistribuição: redistribuição entendida como o resultado previsto e desejável a manutenção de um mercado liberto, e a redistribuição como uma questão de justiça corretiva... Podemos chamar esse tipo redistribuição de
transacional e retificativa.Redistribuição Transacional

A redistribuição
transacional é apenas uma descrição do que acontece em um mercado verdadeiramente liberto. Mercados com menos privilégios. Sem a proteção proporcionada por proteções de monopólio (incluindo patente e direitos autorais), subsídios, tarifas, restrições em organizações sindicais, proteções para posse a longo prazo de propriedade não cultivada e assim por diante, os membros da elite no poder, sendo obrigados a participar, juntamente com todos os outros no processo de cooperação voluntária, que é o mercado liberto, tenderá a perder ganhos ilícitos. Eles vão reter a riqueza só se eles realmente atenderem às necessidades de outros participantes do mercado. E eles não serão capazes de usar o sistema legal para proteger sua riqueza de posseiros (permitindo-lhes manter a terras não cultivadas indefinidamente) ou limitar a negociação vigorosa de barganha por parte dos trabalhadores (tanto porque os trabalhadores estarão mais livres para se organizar, sem restrições estatais e porque a ausência de tais restrições irão dar aos trabalhadores outras opções de trabalho remunerado que irão melhorar suas posições de negociação).

Embora a concorrência desenfreada, obviamente, não vá criar igualdade matemática, ela vai tornar muito mais difícil as grandes disparidades de riqueza que existem no presente. As vantagens estatais da elite no poder, usando a ameaça de agressão para transferir as riquezas aos politicamente favorecidos. A remoção dos privilégios da elite no poder vai levar, através da operação do mercado, para a ampla dispersão da riqueza dos membros que a elite no poder são capazes de reter no momento, em virtude da proteção que recebe da ordem política.

Os
meios de redistribuição transacional é o mercado. Os agentes diretos são os agentes comuns do mercado, enquanto os responsáveis pela eliminação de privilégios estatais que distorcem o mercado e sustentam a riqueza da elite do poder são os agentes indiretos. As questões racionais para a redistribuição transacional incluem o valor da liberdade e da injustiça desses privilégios que são corrigidas pela redistribuição transacional.

Redistribuição Retificativa

Eliminando privilégios e criando um mercado liberto tendesse a fomentar a partilha generalizada de riqueza. Mas não vai ser por si só suficiente para compensar os efeitos da agressão sistemática pelos membros da elite do poder e seus aliados. É por isso que redistribuição
retificativa também é importante.

A injustiça enorme está na raiz de grande parte da distribuição da riqueza contemporânea.
Roubo de terras é o exemplo mais óbvio. Mas outros tipos de agressão - o sistema de passaportes internos implementado na Inglaterra do século XVIII, por exemplo, ou a lavratura de terra sem dono pelo estado fiduciário - também serviram para privar as pessoas comuns de recursos e oportunidades. Os beneficiados por este tipo de agressão têm variado em certa medida, mas eles têm sempre pertencido a grupos politicamente favorecidos - eles foram membros da elite no poder ou seus associados.

As pessoas merecem uma compensação pelos prejuízos que sofreram nas mãos de quem prefere a política como meios econômicos para aquisição de riqueza. Obviamente não é possível corrigir todas as injustiças históricas. Mas quando essas injustiças têm sistematicamente beneficiado alguns grupos identificáveis à custa dos outros, a correção radical é possível e inteiramente justificada. É por isso que Murray Rothbard argumentou que os escravos deveriam ter o direito à terra de plantação em que trabalhavam: os seus supostos "donos" não tinham usado o seus próprios trabalhos, ou o trabalho de pessoas livres que cooperam com eles, para cultivar a terra. Em vez disso, aqueles que cultivaram para os membros da plantocracia[1] fê-lo sob a mira de arma. Assim, a terra foi razoavelmente considerada como sem dono antes dos trabalhos de cultivo dos escravos, que deveria ter sido tratada como, de fato, apropriação - e que, obviamente, merecia uma compensação para o roubo de seu trabalho por seus "donos".

Da mesma forma, os agricultores independentes que se transformaram em servos por meio de violência merecem, Rothbard acreditava, receber o direito à terra em que eles trabalharam, enquanto os proprietários aristocráticos do latifúndio em que eles trabalharam não merecia absolutamente nada em compensação pela terra a que em primeiro lugar eles nem tinham direito de ter. Instituições militares, universidades de pesquisa e outras entidades, em grande parte apoiadas pelo roubo estatal de terras e recursos poderiam muito bem, como ele e Karl Hess sugeriu, ser tratadas como sem dono e capaz de serem herdadas pelos seus trabalhadores ou terceiros. E seria fácil argumentar no mesmo sentido que as pessoas impedidas de apropriação da terra sem dono por meio de sua lavratura legal devem ser autorizadas a reivindicá-la. E assim por diante.

Os
meios de redistribuição retificativa é a realocação de títulos de propriedade injustamente adquiridos ou mantidos. Os agentes diretos são as pessoas que herdam a propriedade recentemente reconhecida como sem dono ou que reivindicam a propriedade injustamente retirada ou negada a eles ou a seus antecessores. Enquanto que aqueles que trabalham para garantir a negação do reconhecimento ou a proteção aos títulos injustos são os agentes indiretos. As questões racionais para a redistribuição retificativa incluem tanto as injustiças dos títulos de propriedade para os 
realocá-los devidamente como a reivindicações para a compensação de pessoas privadas de título para sua própria propriedade ou injustamente impedidos de aquirir propriedade sem dono pela elite no poder. Embora não seja a origem da realocação independente dos títulos  a maior dispersão da riqueza é um dos tipos de efeitos da redistribuição que pode ser recebido pelos libertários, tanto em virtude dos benefícios que conferem a pessoas economicamente vulneráveis como por causa de sua contribuição para uma maior estabilidade social.

Libertarianismo Como Um Projeto Redistributivo

A redistribuição libertária é apenas porque ela emprega meios voluntários ou retificativos e porque realizada por agentes não estatais. Ela não requer qualquer tipo de justificativa consequencialista global. E isso serve para capacitar as pessoas comuns e compensá-las de injustiças sofridas.

Estatistas podem reflexivamente reprovarem a redistribuição libertária porque não é feita pelo estado. Mas, se o fizerem, eles nos devem uma explicação: por que eles deveriam estar preocupados principalmente com os meios? Estatistas normalmente defendem a redistribuição ou como um meio de reduzir a vulnerabilidade econômica ou como uma forma de promover a igualdade econômica, entendida como valiosa em seu próprio direito. Mas a redistribuição libertária certamente atingiria o objetivo anterior e provavelmente promoveria a este o último também. Assim estatistas que se opõem a redistribuição libertária parecem ter esses meios estatistas de fetiche - e se preocupar mais com meios que com os fins pretendidos por políticas estatais.

Libertários justamente rejeitam a redistribuição estatal como uma variedade da escravidão. Mas eles têm todos os motivos para abraçar redistribuição solidária, transacional e retificativa. O compromisso libertário com a redistribuição ajuda a identificar claramente o libertarianismo como uma espécie de radicalismo genuíno que desafia o status quo, mina a exclusão, a hierarquia, a pobreza e ainda promove uma capacitação autêntica.

_______________________________________________________________________________________

Gary Chartier é administrador do instituto Center for a Stateless Society(C4SS), professor de Direito e Ética de Negócios e reitor adjunto da Business Schools da universidade de La Sierra. É doutor pela universidade de Cambridge e juris doctor pela universidade da California. Chartier segue a tradição libertária mutualista.

Nota do tradutor:
[1] Plantocracia (do inglês plantocracy) é um termo referente a classe dominante (de ordem politica ou governamental) de posseiros das plantations. Semelhante aos donos de terras da época de quando o Brasil era colônia portuguesa.

Traduzido por Vento Farias Lima
Revisado por Rodrigo Viana

Veja também: