sexta-feira, 28 de março de 2014

Um mercado de sabotagens



Por Ryan Calhoun

No século 19 e no final do século 20, o anarquismo chegava, de várias formas, à cultura e ao pensamento popular. Isso não acontecia por causa de teorias, mas por conta de expressões imediatas da autonomia individual. Tal processo revolucionário era conhecido como ação direta. A ação direta enfatiza o direito ou o dever de cada indivíduo de defender sua liberdade através de ações, sabotando abertamente os sistemas de opressão e destruindo essas estruturas tirânicas para que todos possam ver.

Infelizmente, essa ideia acabou enfraquecida ou abandonada por alguns motivos. Uma delas foi o disciplinamento dos trabalhadores, com a conexão de seus interesses aos do estado e aos das grandes empresas. O outro motivo foram os retornos decrescentes. Os anarquistas e trabalhadores revoltosos regularmente eram feridos pela polícia ou trancados na prisão por anos. Insistir em ser livre é ótimo, mas não quando o preço é a diminuição da sua capacidade de agir. A liberação individual é difícil, infelizmente. Se todos nós nos deparamos com uma luta aparentemente sem fim, por que nos preocupar?

Estamos aqui para propor uma solução para essa falta de incentivos. No verão de 2013, um mercado foi aberto na darknet dedicado ao financiamento do assassinato de figuras públicas. Em particular, pessoas ligadas à política. Alguns meses atrás, essa ideia causou certa controvérsia quando um artigo da revista Forbes o mencionava. E, embora o site seja novo e revolucionário, a ideia já é um pouco antiga. O objetivo? Incentivar os líderes políticos de forma mais efetiva a obedecer o que o público deseja e diminuir a culpabilidade de quaisquer indivíduos se um assassinato ocorrer. O uso de criptomoedas para esconder a identidade dos financiadores foi possibilitado pela popularização do Bitcoin e mais ainda pela Dark Wallet, criada por Cody Wilson. A ideia original é de Jim Bell, um dos fundadores do criptoanarquismo e autor de Assassination Politics. Ele foi subsequentemente perseguido pelo governo federal dos Estados Unidos e vive entre a prisão e a liberdade há mais de uma década.

O que esse mercado e essa ideia de política de assassinatos tem a ver com a ação direta? Tem a ver com o incentivo de atos individuais de sabotagem, vandalismo ou expropriação. Ao contrário do cenário anterior, os indivíduos têm um incentivo adicional além de alcançar a revolução: podem obter uma recompensa por seu ato de ativismo revolucionário. Isso aumenta a probabilidade de que, se alguém organizasse uma greve no trabalho, os colegas tivessem interesse em contrariar os desejos da empresa. Fura-greves frequentemente são motivados pela possibilidade de ganhar mais dinheiro e não pensam em apoiar o chefe. Podemos, então, dizer a ele: “Junte-se a nós e você poderá ganhar uma quantidade interessante de Bitcoins”.

Claro, as sabotagens não precisam ser feitas apenas “no trabalho”. Podemos também incentivar atos de sabotagem e desobediência contra a política. “5 BTCs para o homem ou a mulher que furar todos os pneus de carros da polícia que estejam na avenida principal na quarta-feira!” Essa é uma motivação nova e talvez necessária para a execução de atos que talvez não sejam imediatamente recompensadores. Por que não se demitir do seu emprego principal e trancar por fora a porta do delegado do município? Poderíamos até apostar que os próprios policiais aceitariam dinheiro para fazer isso, se o valor fosse bom. Ficaríamos felizes em fornecer o dinheiro, policial.

Essas ideias, embora implícitas na atitude criptoanarquista, não são novas dentro do anarquismo. Durante o apogeu do movimento abolicionista nos Estados Unidos, Lysander Spooner estimulava atos individuais de sabotagem e violência contra os senhores de escravos não apenas cometidos por escravos e por aqueles comprometidos com a causa da abolição, mas também por aqueles que trabalhavam como “homens livres” para os vigias de escravos. Spooner via que esses homens pouco se importavam com suas tarefas e estavam mais interessados em incentivos financeiros. “Que seja”, diz Spooner. Nós queremos que esses desgraçados frios e calculistas trabalhem para nós.


“Vocês estão prontos para realizar todo aquele trabalho vil e desumano, que deve ser executado por alguém, mas que os senhores de escravos mais decentes não desejam realizar. No entanto, já ouvimos ao menos uma boa opinião a respeito de vocês. Isto é, a de que não possuem quaisquer preconceitos de cor e de que não são tão contrários à liberdade a ponto de dispensarem dinheiro em troca do auxílio para que um escravo chegue ao Canadá, da mesma maneira que não hesitariam em capturar fugitivos e devolvê-los aos senhores. Se vocês são, assim, tão indiferentes a quem servem, nós os aconselhamos a, a partir de agora, servir ao escravo, e não ao senhor. Deem meia-volta e ajudem o roubado a roubar os ladrões. Aqueles podem pagar melhor que estes. Ajudem-nos a reaver suas posses legítimas e seus pagamentos serão satisfatórios. Ajudem-nos a açoitar os senhores de escravos e eles poderão pagar dez vezes mais do que vocês jamais receberam pelo açoite de um escravo. Ajudem-nos a sequestrar escravos e eles poderão pagar mais do que você receberá ao capturar um fugitivo. Seja honesto com os escravos e acreditamos que eles pagarão bem por tais serviços. Sejam desonestos e esperamos que eles os matem.”

Isso, sim, é liberação por diversão e lucro. Não requer que um slogan moralista seja empunhado por todos aqueles que sejam contrários à escravidão, o trabalho assalariado ou outras instituições que se originam no estado. O momento de recitar lugares-comuns vazios sobre a decência da liberdade humana já passou. O mundo daqueles que servem a senhores de escravos e daqueles que não se interessam pela liberdade está ruindo. O cinto de utilidades do revolucionário se expande cada vez mais. Não é mais necessário apodrecer numa cela de prisão para reclamar o direito a uma vida que é legitimamente nossa. Junte-se a esta rebelião criptográfica.

Essas comunidades online funcionariam como o que Spooner chamou de “comitês de vigilância”, em que as injustiças que não são punidas pelos meios políticos são julgadas diretamente por forças descentralizadas. Spooner também reconhecia os perigos dessas ações e, como afirmamos acima, tais planos não eram aplicáveis sem grandes riscos individuais. Isso não mais ocorre necessariamente. É hora de implementarmos essa ideia do século 19 no século 21.

Evidentemente, há alguns problemas com a aplicação dessa ideia, como um editorial anterior do C4SS mostrou. Porém, esses mercados não se restringem a atividades revolucionárias. As pessoas podem utilizá-los para o que desejarem. Alguns temem que estruturas assim poderiam motivar atos de agressão e violência injustificáveis, contra pessoas que não merecem tratamentos hostis. Porém, como quase sempre é o caso, a caixa de Pandora está aberta. Nada impede que seu vizinho abra um mercado de linchamentos de uma classe desfavorecida. Também não há nada que impeça que essa mesma pessoa atire ou promova linchamentos individualmente. Assim, precisamos ter em mente que, no caso de ideias potencialmente perigosas como estas, há uma maior necessidade de educar e incentivar o tipo certo de cultura.

Com novos mecanismos de defesa, sempre surgem novos mecanismos de opressão. Armas eram uma ótima ideia até que decidimos dar à instituição com o monopólio da violência a maior parte delas. Portanto, devemos desestimular atos verdadeiramente opressivos nesses mercados. Devemos fomentar uma sociedade de pessoas que rejeitem as autoridades econômicas e políticas e que estejam dispostas a sair de seus empregos e a ganhar dinheiro combatendo o sistema de opressão, um ato de cada vez. A hora de agir é agora. Nunca houve um momento mais oportuno. A comunidade libertária está na vanguarda desta tecnologia, empurrando-a à frente, facilitando a possibilidade de quebrar as leis injustas muito mais fácil a todo o momento, tornando mais simples se envolver em atividades consideradas ilegais e indesejáveis. Esta é nossa oportunidade.

Traduzido por Erick Vasconcelos. Para ler o original clique aqui.



Ryan Calhoun é ativista acadêmico.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Por que eu me tornei um libertário de esquerda



Por Martin "Mr. Civil Libertarian"

Como os partidários do Libertarian Party (N. T.: "libertarian" é como é chamado o apoiador de políticas ultraliberais nos EUA) do lado dos EUA reúnem-se em cinemas para assistirem a versão do filme de A Revolta de Atlas (o filme tem um lançamento limitado e severa crítica de todos fora daqueles que já aceitaram completamente a filosofia de Ayn Rand de apologismo corporativo e apoio do egoísmo como um estilo de vida), o próprio Libertarian Party do Reino Unido é pego numa controvérsia menor sobre seu líder.

Então não é uma semana brilhante para ser um leitor de Nozick, Rand, Friedman ou Mises. Todavia nessa altura, de modo algum é um bom momento para se declarar associado com qualquer filosofia que defende o capitalismo laissez faire para ser uma virtude.

Mas para um crescente número de auto-descritos libertários, eu mesmo incluído, os libertarians de "direita" do Libertarian Party do Reino Unido e do Libertarian Party dos EUA estão silenciosamente abandonando o modelo "virtude do egoísmo" doutrinário de liberdade apoiado pelos Ultraliberais Capitalistas que insistem sobre as maravilhas produtivas de hierárquicas, riqueza concentrada e corporações privadas poderosas politicamente.

O libertário de esquerda, por outro lado, prefere identificar estas potências econômicas como o que eles são: os beneficiários de subsídios de estado invisíveis íntimos em uma variedade de formas.

Estes subsídios incluem:
  • direitos de propriedade artificiais;
  • um sistema regulatório que beneficia jogadores amplos e estabelecidos às custas de fornecedores menores;
  • subsidiar meios de transporte de longa distância às custas de iniciativa local mais capaz em adaptar oferta à demanda;
  • e custos de capital de despesas criados de forma tão elevada que a maioria das pessoas normais são incapazes de alguma vez iniciar os próprios negócios.
Em suma, Capitalismo como conhecemos não conseguiria sobreviver sem o estado; capitalismo de "livre mercado" é um oximoro. Na verdade, capitalismo mesmo anarco-capitalismo é, na realidade, feudalismo privatizado.

Então por que os então chamados partidários do Libertarian Party resultam numa completa força para apoiar um sistema econômico que é qualquer coisa menos libertário?

O problema é que muitas formas de libertarianismo carecem de alguma forma de contexto social.

Tais ultraliberais, ironicamente denominados liberais "vulgares", são melhor caracterizados pelos estereótipos reais que eles tentam fortemente se livrarem: misantropia, egoísmo e um total desprezo por origens de opressão não estatal (sexismo, racismo e outras formas de preconceito), bem como a vasta desigualdade de riqueza e falta de oportunidade apresentada pelo moderno e centralizado sistema econômico capitalista de estado.

Ao invés de tentar entender as origens destes sentimentos nocivos, eles geralmente ignoram, ou pior, justificam suas presenças em suas visões de uma sociedade "livre".

Como um exemplo disso, vos referencio em grande parte do trabalho do economista austríaco Walter Block, que recentemente lançou um livro intitulado The Case for Discrimination.

O argumento Libertário de Esquerda, por outro lado, ocorre diferente. Nós aceitamos o prejuízo causado às minorias pelos preconceitos socialmente destrutivos e divisivos – e a necessidade de lutarmos contra eles.

Nós também aceitamos o dano causado pela concentração de riqueza e pelo sistema de classe – e a necessidade de lutarmos contra eles.

Nosso única divergência com a esquerda convencional é nossa desconfiança do estado como uma ferramenta para reformas.

Afinal de contas, o estado é uma instituição que existe para permitir as classes corporativas prosperarem – e as políticas da esquerda progressista, enquanto reivindica trabalhar em direção a uma sociedade mais justa e livre, estão meramente ajustando dentro dos parâmetros permitidos do status quo.

É essa desconfiança do privilégio tanto do estado quanto privado que define da Direita Ultraliberal.

A posição libertária de esquerda é também resumida pelo escritor mutualista Kevin Carson, do Center For a Stateless Society: "As Grandes Empresas tem sido uma criatura do estado desde o seu início. E mercados genuinamente livres operariam como dinamite nas fundações do poder corporativo".

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.


Martin "Mr. Civil Libertarian" mantém o blog Mr Civil Libertarian.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Ordem econômica natural


Por Silvio Gesell

[Texto publicado em 1916.]
Se fosse oferecido aos empregadores capital na forma de dinheiro a juros pela metade, o rendimento de todas as outras classes de capital também cairia pela metade. Se, por exemplo, o juro sobre o dinheiro emprestado para construir uma casa é menor que o aluguel de uma casa similar existente, ou se é mais lucrativo cultivar um terreno baldio do que pagar um aluguel por uma casa similar, a competição deve reduzir inevitavelmente os aluguéis da casa e terra ao nível do juro monetário reduzido. Dessa forma, o método mais seguro de depreciar capital
material (uma casa, um campo) obviamente é criar e operar capital material adicional ao seu lado. Mas é uma lei econômica que a produção aumentada aumenta a massa de capital monetário. Isso tende a aumentar salários e finalmente reduzir o juro à zero.”
 - Proudhon: O que é Propriedade?

A abolição de renda não ganha, da tão chamada mais-valia, também cunhada de juros e aluguel, é a meta econômica de qualquer movimento socialista. O método geralmente proposto para alcançar essa meta é o comunismo no formato de nacionalização ou socialização da produção. Eu conheço um socialista — Pierre Joseph Proudhon — cujas investigações sobre a natureza do capital apontam a uma possibilidade de haver outra solução para o problema. A demanda por nacionalização da produção é defendida com o pretexto de que a natureza dos meios de produção necessita dela. É frequentemente afirmado imediatamente, como um truísmo, que a posse dos meios de produção deve necessariamente em todas as circunstâncias dar ao capitalista a supremacia quando barganha com os trabalhadores seus salários — uma vantagem representada, e destinada a ser representada eternamente, pela “mais-valia” ou juros sobre o capital. Ninguém, exceto Proudhon, foi capaz de perceber que a preponderância que agora está manifestadamente do lado da propriedade pode ser colocada do lado dos despossuídos (os trabalhadores), simplesmente pela construção de casa após casa, de uma fábrica ao lado de outra já estabelecida.
Proudhon mostrou aos socialistas há cinqüenta anos atrás que trabalho duro ininterrupto é o único método de atacar com sucesso o capital. Mas essa verdade está tão além de compreensão por sua parte hoje do que na época de Proudhon.
Proudhon, de fato, não foi completamente esquecido, mas ele nunca foi bem compreendido. Se seu conselho tivesse sido compreendido e praticado, agora não haveria algo chamado capital. O fato de ele estar errado em seu método (bancos de troca) tornou sua teoria como um todo desacreditada.
Como foi que a teoria Marxista do capital foi bem sucedida em desbancar a de Proudhon e dar uma influência soberana ao socialismo comunista? Como que Marx e sua teoria são lembrados em todo jornal do mundo? Alguns sugeriram como motivo a desesperança, e a correspondente inocuosidade da doutrina Marxista: “Nenhum capitalista tem medo de sua teoria, da mesma forma que nenhum capitalista tem medo da doutrina Cristã; é dessa forma, benéfico para o capital ter Marx e Cristo discutidos tão amplamente quanto possível, uma vez que Marx não pode danificar o capital. Mas tome cuidado com Proudhon; melhor mantê-lo fora de vista e calado! Ele é um camarada perigoso, já que não há como negar a verdade de seu argumento de que se os trabalhadores fossem deixados a trabalhar sem impedimentos, distúrbios ou interrupções, o capital logo estaria engasgado com uma super-produção de capital (não confundir com uma super-produção de bens). A sugestão de Proudhon de atacar o capital é uma perigosa, uma vez que pode ser colocada em prática imediatamente. O programa Marxista fala da tremenda capacidade produtiva do trabalhador atual equipado com ferramentas e máquinas modernas, mas Marx não é capaz de colocar essa tremenda capacidade produtiva em funcionamento, ao passo que nas mãos de Proudhon ela se torna uma arma letal contra o capital. Então, debatam, se fixem em Marx, para que Proudhon seja esquecido.”
Essa explicação é plausível. E não é a mesma coisa com o movimento de reforma agrária de Henry George? Os proprietários logo descobriram que isso era uma ovelha em pele de lobo; que a coleta de aluguel sobre a terra não poderia ser conduzida de maneira efetiva e que o homem e sua reforma eram então perigosas. A imprensa foi permitida propagandear a Utopia de Henry George, e os reformistas eram recebidos da melhor forma. Todo “ruralista” e especulador de grãos alemão se tornaram um defensor do imposto único. O leão não tinha dentes, então era seguro brincar com ele, da mesma forma que pessoas de costumes ficam felizes ao mexer com princípios Cristãos.
O exame de Marx do capital está errado desde o começo.
1. Marx sucumbe à falácia popular segundo a qual o capital consiste de bens materiais. Para Proudhon, pelo contrário, o juro não é um produto de bens materiais, mas de uma situação econômica, uma condição do mercado.
2. Para Marx a mais-valia representa a exploração resultante do abuso de um poder conferido pela propriedade. Para Proudhon a mais-valia é sujeita à lei de oferta e procura.
3. De acordo com Marx, a mais-valia deve ser invariavelmente positiva. Para Proudhon a possibilidade de mais-valia negativa deve ser levada em consideração. (Mais-valia positiva é mais-valia no lado da oferta, ou seja, do capitalista, mais-valia negativa é mais-valia no lado da força de trabalho).
4. O remédio de Marx é a supremacia política dos expropriados, a ser alcançada pelos meios de organização. O remédio de Proudhon é a remoção dos obstáculos que nos impedem do desenvolvimento pleno de nossa capacidade produtiva.
5. Para Marx, greves e crises são bem vindas, e a expropriação final dos expropriadores através da força são meios condizentes com o fim. Proudhon, ao contrário, diz: de forma alguma se permitam ficarem separados do trabalho, já que as aliadas mais poderosas do capital são as greves, as crises e o desemprego; onde nada é mais fatal ao capital que o trabalho duro.
6. Marx diz: Greves e crises irão conduzi-los em direção a sua meta; o grande colapso vai levá-los ao paraíso. Não, diz Proudhon, isso é conversa fiada, métodos dessa natureza os levam em direção contrária à meta. Com tais táticas nunca se roubará um por cento sequer da usura.
7. Para Marx a propriedade privada significa poder e supremacia. Proudhon, ao contrário, reconhece que a supremacia está baseada no dinheiro, e que sob condições modificadas o poder da propriedade privada pode ser transformado em fraqueza.
Se, como afirma Marx, o capital consiste de bens materiais, a propriedade dele dá ao capitalista sua supremacia, qualquer adição a esses bens iria necessariamente fortalecer o capital. Se um fardo de feno ou um barril de literatura econômica pesam exatamente 100 libras, dois fardos, dois barris deveriam pesar exatamente 200 libras. Similarmente, se uma casa rende $1000 de mais-valia anualmente, dez casas adicionadas ao estoque deveriam render sempre, e de praxe, dez vezes $1000 — sob o pressuposto de que o capital consiste simplesmente de bens materiais.
Agora sabemos todos que o capital não pode ser adicionado da mesma forma que bens materiais, uma vez que o capital adicional não dificilmente diminui o valor do capital já existente. Tal verdade pode ser testada através de observações diárias. Sob certas circunstâncias o preço de uma tonelada de peixe pode ser maior do que o preço de 100 toneladas. Que preço o ar teria, se não fosse tão abundante? Da forma que é, o obtemos gratuitamente.
Não muito depois da deflagração da guerra proprietários nos subúrbios de Berlin estavam desesperados com o declínio dos aluguéis, ou seja, mais-valia, e a imprensa capitalista estava vociferante ao denunciar o “frenesi de construção de trabalhadores e contratantes”, e a “praga disseminada da indústria imobiliária”. (Citados da imprensa alemã.)
Não são essas expressões uma revelação da natureza precária do capital? O capital, o qual os Marxistas reprimem com tanto pavor, morre da citada “praga da construção”; ele foge perante o “frenesi de construção” dos trabalhadores! O que Proudhon e Marx aconselharam em tal situação? “Parem de construir”, teria berrado Marx; “lamentem, vão reclamar, arrependam-se de seu desemprego, declarem uma greve! Porque com cada casa que constroem vocês certamente aumentam o poder dos capitalistas assim como dois mais dois são quatro. O poder do capital é medido pela mais-valia, nesse caso o aluguel; assim quanto o maior número de casas, certamente mais forte será o capital. Assim deixe me avisá-los, reduzam a produção, agitem em favor de uma jornada de oito horas ou até uma de seis horas, já que casa que constroem aumenta o aluguel e aluguel é mais-valia. Restrinjam então, seu frenesi de construção, porque quanto menos construírem, mais barata será sua habitação!”
Provavelmente Marx teria murchado de tanto repetir tal nonsense. Mas a doutrina Marxista, a qual toma o capital como uma mercadoria material, engana os trabalhadores fazendo-os pensar e agir dessa forma.
Agora escutem Proudhon: “A todo vapor! Adiante com o frenesi de construção, nos dêem a praga da construção. Trabalhadores e empregadores, de maneira alguma deixem a pá ser tirada de suas mãos. Abaixo com todos que tentarem interferir em seu trabalho; são seus inimigos mortais! Quem são esses que tagarelam sobre uma praga da construção, de super-produção na indústria imobiliária, ao passo que aluguéis ainda mostram um traço de mais-valia, de juros? Deixem o capital morrer com a praga da construção! Por cerca de apenas cinco anos vocês foram permitidos entregar-se a seu frenesi de construção, e já os capitalistas sentem a pressão, já lamentam o declínio da mais-valia, os aluguéis caíram de cerca de 4 à 3% – isto é, um quarto de seu valor. Três vezes cinco anos a mais de trabalho desimpedido, e estarão celebrando em casas livres de mais-valia. O capital está morrendo, e são vocês quem o estão matando com seu trabalho.”
A verdade é morosa como um crocodilo na lama do eterno Nilo. Ela não se importa com o tempo; tempo medido pela passagem da vida humana não significa nada para ela, uma vez que é eterna. Mas a verdade possui um agente o qual, mortal como os homens, está sempre apressado. Para esse agente, tempo é dinheiro; sempre está ocupado e excitado, e seu nome é erro. O erro não pode esperar calado e deixar o tempo passar. Está constantemente dando e recebendo duros golpes. Está no caminho de todos e todos estão em seu caminho. É a verdadeira barreira.
Logo então não importa se Proudhon é um tabu. Seu adversário Marx, com seus erros, já cria condições para que a verdade venha à tona. E nesse sentido podemos dizer que Marx se tornou o agente de Proudhon. Proudhon em sua tumba está em paz. Suas palavras possuem valor eterno. Mas Marx deve estar se revirando incessantemente. Algum dia, entretanto, a verdade irá prevalecer e a doutrina Marxista será relegada ao museu dos erros humanos.
Mesmo se Proudhon tivesse sido suprimido e esquecido, a natureza do capital continuaria intocada. A verdade seria descoberta por outro; o nome do descobridor não importa para a ela.
O autor desse livro foi levado ao caminho perseguido por Proudhon e chegou as mesmas conclusões. Talvez tenha sido sortudo ao ser ignorante da teoria proudhoniana do capital, dando lhe a chance de desenvolver seu trabalho de forma mais independente, e a independência é a melhor preparação para a investigação científica.
O autor presente foi mais bem sucedido que Proudhon. Descobriu o que Proudhon tinha descoberto há cinqüenta anos atrás, propriamente a natureza do capital, mas descobriu também um caminho praticável para a meta de Proudhon. E isso, afinal, é o que importa.
Proudhon perguntou: Por que estamos com falta de casas, máquinas e navios? E ele também deu a resposta correta: Porque o dinheiro limita sua construção. Ou, para usar suas palavras: “Porque o dinheiro é uma sentinela postada na entrada dos mercados, com ordens para não deixar ninguém passar. O dinheiro, você pode imaginar, é a chave que abre os portões do mercado (por esse termo se entende a troca de produtos), e isso é falso — o dinheiro é o parafuso que o prende.”
O dinheiro simplesmente não sofrerá com casa sendo construída após casa. O mais rápido que o capital deixe de render o juro tradicional, o dinheiro entrará em greve e paralisará o trabalho. O dinheiro, então, age como um soro contra a “praga da construção” e o “frenesi de trabalho”. Ele torna o capital (casas, plantas industriais, navios) imune à ameaça de seu próprio aumento.
Tendo descoberto a natureza barradora ou bloqueadora do dinheiro, Proudhon levantou o slogan: Vamos combater o privilégio do dinheiro deixando bens e trabalho no mesmo nível do dinheiro. Isso porque dois privilégios, se opostos, se neutralizam. Conferindo aos bens o peso adicional agora do lado dinheiro, fazemos os dois se equilibrarem.
Tal era a idéia de Proudhon, e para colocá-la em prática ele fundou os bancos de troca. Como todos sabem, eles falharam.
Porém, a solução do problema que iludiu Proudhon é simples o bastante. Tudo o que necessário é abandonar o ponto de vista costumeiro, o ponto de vista do possuidor do dinheiro, e enxergar o problema do ponto de vista do possuidor de bens. Essa mudança de ponto de vista nos permitirá deduzir a solução diretamente. Bens, e não o dinheiro, são a fundação real da vida econômica. Bens e seus compostos fazem 99% de nossa riqueza, o dinheiro apenas 1%. Assim, tratemos bens como tratamos fundações; não preocuparemos com eles. Aceitaremos bens como aparecem no mercado. Não podemos alterá-los. Se eles apodrecem, quebram, perecem, deixem-nos: assim é sua natureza. Não importa o quão eficientemente podemos organizar os bancos de troca de Proudhon, não podemos impedir o jornal nas mãos do jornaleiro de ser reduzido, duas horas depois, a lixo, se falha em encontrar comprador. Além disso, devemos nos lembrar que o dinheiro é um meio universal de entesouramento [1]; todo o dinheiro que serve o comércio como meio de troca chega aos bancos e fica lá até que seja seduzido para circular pelos juros. E como podemos equiparar bens ao nível de dinheiro líquido [2] (ouro) sob os olhos dos poupadores? Como podemos induzi-los, ao invés de entesourar dinheiro, encher seus baús ou salas com palha, livros, bacon, óleo, peles, guano, dinamite, porcelana?
E isso é o que Proudhon realmente almejava quanto tentou reduzir bens e dinheiro a um nível comum. Proudhon subestimou o fato de que o dinheiro não é apenas um meio de troca, mas também um meio de entesouramento, e que dinheiro e batatas, dinheiro e cal, dinheiro e pano não podem em circunstância alguma serem considerados como coisas de valor igual nos baús dos entesouradores. Um jovem poupando [3] para a velhice irá preferir uma única moeda de ouro ao conteúdo de um grande armazém.
Não podemos, então, interferir nos bens, são o fator primário ao qual tudo deve ser adaptado. Mas deixe nos observar mais minuciosamente o dinheiro, pois aqui alguma alteração pode se provar praticável. O dinheiro deve sempre continuar como no presente? Deve o dinheiro, como uma mercadoria, ser superior às mercadorias as quais, como meio de troca, é suposto servir? Em caso de incêndio, inundação, crise, guerra, mudanças de gostos e por aí em diante, apenas o dinheiro deve ser imune aos danos? Por que o dinheiro deve ser superior aos bens que deveria servir? E não é essa superioridade do dinheiro sobre os bens o privilégio que vemos ser a causa da mais-valia, o privilégio que Proudhon buscava abolir? Vamos então acabar com os privilégios do dinheiro. Ninguém, nem mesmo entesouradores, especuladores, ou capitalistas deve considerar o dinheiro, como uma mercadoria, preferível ao conteúdo dos mercados, lojas, e armazéns. Se o dinheiro não tiver preponderância sobre os bens, se deteriora como aqueles. Deixem-no ser atacado por traças e ferrugem, deixem-no debilitar, deixem-no fugir; e quando estiver prestes a morrer deixe seu possuidor pagar para ter a carcaça esfolada e queimada. Aí, e somente lá, seremos capazes de dizer que dinheiro e bens estão em igual paridade e são equivalentes perfeitos — como Proudhon desejava mantê-los.
Deixe nos colocar essa vontade em termos de uma fórmula comercial. Diremos: O possuidor de bens, durante o período de estocagem, invariavelmente incorre em perdas de qualidade e quantidade. Além disso, ele tem que pagar o custo de estoque (aluguel, seguro, cuidados e tudo o mais). Quanto isso soma anualmente? Digamos 5% – deve estar abaixo e não acima nesse momento atual.
Agora que depreciação tem um banqueiro, capitalista, ou entesourador [4] para debitar ao dinheiro em sua posse ou emprestado? Em quanto diminuiu o valor do baú na Torre de Júlio em Spandau [5] ao longo dos 44 anos em que ficou guardada lá? Nem um centavo!
Sendo assim, a resposta para nossa questão é clara, devemos sujeitar o dinheiro à perda que os bens estão sujeitos graças a necessidade de estocagem. O dinheiro não é mais superior aos bens; não faz mais diferença se alguém possui, poupa [6] dinheiro ou bens. Ambos são equivalentes perfeitos, e o problema de Proudhon está resolvido e as correntes que preveniam a humanidade de desenvolver todos seus poderes são rompidas.
Notas do Tradutor
[1] Na versão em inglês a palavra usada é “savings”, que traduzida ao pé da letra significa poupança. Mas considerando o desenvolvimento da economia, e a influência de Gesell em Keynes (e possivelmente de ambos no tradutor alemão-inglês), Gesell provavelmente não estava querendo se referir à “poupança capitalista” (nos termos de von Mises), na qual o dinheiro é emprestado a juros, e sim ao simples entesouramento do dinheiro, que não rende juros nem cria um fluxo de renda.[2] Na tradução em inglês “ready money”. O jargão econômico “líquido” é mais adequado na visão desse tradutor.
[3] A palavra em inglês era “savings”, e decidi traduzir como “poupança”, mesmo sabendo da possível confusão de termos.
[4] Aqui o tradutor para inglês usou a palavra “hoard”, que efetivamente significa entesourar. Seria necessária uma consulta à versão original em alemão para clarificar o que Gesell quer dizer com poupança anteriormente e entesouramento agora.
[5] Spandau é um distrito de Berlim.
[6] O tradutor para inglês usou a palavra “savings” novamente.
Traduzido por Rafael Hotz e Luiz Eduardo do Ó.


Silvio Gesell foi um anarquista alemão, comerciante, economista e ativista.


Veja também:


quinta-feira, 20 de março de 2014

A nova economia e o princípio dos custos

Jeremy Rifkin anuncia o “crescimento do anti-capitalismo” (“The Rise of Anti-Capitalism“,The New York Times, 15 de março), citando o paradoxo de que:
“[O] dinamismo inerente aos mercados competitivos está diminuindo tanto os custos que muitos bens e serviços estão se tornando quase gratuitos, abundantes e não mais sujeitos às forças de mercado.”
Os argumentos de Rifkin a respeito das reduções dos custos marginais e seus efeitos sobre os relacionamentos econômicos me lembram do anarquista Josiah Warren. Inventor e defensor de profundas mudanças sociais, Warren alegava que o custo é limite equitativo do preço e que a concorrência eliminaria a renda, os juros e os lucros dos privilegiados. Seu trabalho influenciou uma geração de radicais que viam na competição do mercado uma forma de solucionar os problemas econômicos de sua época.

Esses anarquistas americanos do século 19 que atacavam o capitalismo de uma forma que pode ser surpreendente a críticos contemporâneos, de uma perspectiva de esquerda, porém com argumentos em favor do livre mercado. Para esses anarquistas de mercado, era verdade que o capitalismo representava um sistema de privilégios e exploração — um sucessor de estruturas econômicas anteriores como o feudalismo e o mercantilismo. Ao invés de associar o capitalismo a mercados livres, porém, esses arqui-individualistas viam que o remédio para as relações predatórias e usurárias predominantes no capitalismo era uma genuína liberação da economia: o estabelecimento de reais trocas voluntárias, a abertura à competição e a abolição de privilégios.

Tratava-se de um grupo de anarquistas pró-mercado que argumentava que o poder dos capitalistas, sua capacidade de ter rendimentos sem trabalho, advinha do que chamavam de “legislação de classe” — barreiras políticas à competição que davam aos empregadores uma vantagem injusta. Nessa mesma linha de pensamento, os anarquistas de mercado contemporâneos veem o poder coercitivo do estado como a força que desequilibra as relações econômicas em favor das elites com influência política.



Como livre-mercadistas, descentralistas e individualistas, nós ocupamos um cantinho do movimento libertário. Ao mesmo tempo, como críticos da desigualdade de riquezas e defensores dos pobres e das classes trabalhadoras, nos encontramos dentro dos movimentos atuais anti-capitalistas em prol da justiça econômica. Dados os termos mais repetidos do debate e as falsas dicotomias propagandeadas nos canais de notícias e nas colunas opinativas de revistas, esses valores podem parecer contraditórios. Aqueles que defendem o livre mercado são considerados defensores do status quo plutocrático, numa visão que coloca o estado como principal defesa contra a competição desenfreada e como defensor dos menos favorecidos.

Trata-se, porém, de um ponto de vista equivocado a respeito do papel histórico do estado dentro do sistema econômico, que o coloca em um conflito contra o capital que nunca existiu. De fato, as elites políticas e econômicas sempre trabalharam juntas. A cultura dominante em Washington, a capital americana, mostra essa história de poder e conluio claramente — a todo momento, executivos se transformam em burocratas a serviço do governo federal e vice versa.

Rifkin está certo ao perceber “a realidade assustadora de uma economia de custo marginal zero” como uma ameaça ao capitalismo. As novas tecnologias realmente permite que nós utilizemos rotas alternativas para evitar os obstáculos às trocas que sempre foram a fonte do poder monopolista do capital. O sonho de Warren de que o “custo seria o limite do preço” — ou, pelo menos, algo bem próximo disso — se torna cada vez mais uma possibilidade real.

Traduzido por Erick Vasconcelos. Para ler o artigo original clique aqui.


David S. D'Amato é procurador, escritor e doutor pela New England School of Law e mestre em Direito Global e Tecnologia pela Suffolk University Law School. Ele mantém o site anarco-individualista chamado The Individualist Anarchist.

quarta-feira, 19 de março de 2014

O trabalho deve ser pago ou não?



Por Benjamin Tucker

Liberty, 28 de Abril de 1888.

Na edição de número 121 do Liberty, criticando uma tentativa de Kropotkin para identificar comunismo e individualismo, eu acusei-o de ignorar "a questão real se o comunismo permitirá o indivíduo trabalhar independentemente, possuir ferramentas, vender seu trabalho ou seus produtos e comprar o trabalho ou produtos de outros". Na visão de Herr Most isso é tão ultrajante que, na reimpressão, ele coloca as palavras "o trabalho dos outros" em letras pretas grandes. Most, sendo um comunista, ele deve, para ser consistente, objetar a compra e venda do que quer que seja; contudo, por que ele especialmente deve se objetar à compra e venda de trabalho é mais do que eu posso compreender. Realmente, na última análise, trabalho é a única coisa que tem qualquer título para ser comprado ou vendido. Existe qualquer fundamento justo de preço exceto custo? E existe alguma coisa que custa exceto trabalho ou sofrimento (outro nome para trabalho)? Trabalho deve ser pago! Horrível, não é? Ora, eu achei que o fato de que não é pago era a queixa toda. "Trabalho não remunerado" tem sido a principal reclamação de todos socialistas, e de que o trabalho deve obter sua remuneração tem sido a discórdia deles. Suponha que eu dissera a Kropotkin que a questão real é se comunismo permitirá indivíduos trocar o trabalho deles ou produtos sobre os próprios termos deles. Herr Most teria estado tão chocado? Ele teria impresso aquilo em letras pretas? Todavia, em outra forma eu disse precisamente aquilo.

Se os homens que se opõem ao salário isto é, a compra e a venda de trabalho — fossem capazes de analisar seus pensamentos e sentimentos, eles veriam que o que realmente provoca a fúria deles não é o fato de que trabalho é comprado e vendido, mas o fato de que uma classe de homens são dependentes em relação as suas vidas em consequência da venda de seu trabalho, enquanto outra classe de homens são aliviados da necessidade de trabalho por serem legalmente privilegiados a vender alguma coisa que não é trabalho, e que, exceto pelo privilégio, seria desfrutado por todos gratuitamente. E para tal estado de coisas eu estou tanto em forte oposição quanto qualquer um. Porém no momento que você remove privilégio, a classe que agora desfruta será forçada a vender seu trabalho, e então, quando haver nada além de trabalho com que para comprar trabalho, a distinção entre pagadores de salário e recebedores de salário será varrido, e todo homem será um trabalhador trocando com colegas trabalhadores. Sem abolir salários, mas tornar todo homem dependente em relação a salários e assegurar todo homem seu salário completo é o objetivo do socialismo anarquista. O que o socialismo anarquista busca para abolir é usura. Não deseja privar trabalho de sua remuneração; deseja privar capital de sua remuneração. Não se sustenta que trabalho deva não ser vendido; se sustenta que capital não deva ser empregado em usura.

Mas, diz Herr Most, essa ideia de um livre mercado de trabalho do qual privilégio é eliminado é nada mais do que "manchesterismo coerente". Bem, o que melhor um homem, que professa o anarquismo, pode desejar do que isso? Visto que o princípio do manchesterismo é liberdade e manchesterismo coerente é a aderência coerente a liberdade. A única incoerência dos homens de Manchester repousa na infidelidade deles a liberdade em algumas de suas fases. E essa infidelidade para liberdade em alguma de suas fases é precisamente a incoerência fatal da escola Freiheit, — a única diferença entre seus aderentes e os homens de Manchester é que em muitas das fases em que os últimos são infiéis os primeiros são leais, enquanto em muito daqueles em que os últimos são leais os primeiros são infiéis. Sim, anarquismo genuíno é manchesterismo coerente e comunista ou pseudo-anarquismo é manchesterismo incoerente. "Graças te dou, judeu, por ensinar-me essa palavra."


Traduzido por Rodrigo Viana.
Para ler o artigo original clique aqui.


Benjamin Tucker foi um anarco-individualista e propagador do Mutualismo nos Estados Unidos. Atuou como tradutor, teórico político e econômico e trabalhou como editor para o jornal anarquista "Liberty".

Veja também:



quinta-feira, 13 de março de 2014

Estudos na Economia Política Mutualista - capítulo 1



Por Rodrigo Viana

Durante muito tempo os anarquistas ficaram renegados, esquecidos dos debates sobre teoria econômica. Apoiando-se em teorias que ultrapassam as contas dos anos (coisa de mais de um século), este grupo esteve por muito tempo órfão de uma base sólida e própria para suas reivindicações. Mas isso já não precisa ser mais assim.

Após o abandono da escola clássica como força principal dos meios de influência, muitas outras escolas econômicas surgiram e outras caíram num profundo esquecimento. Muitas nasceram após esse tempo, que se mantiveram como forças ativas no século 20, sequer estão presentes nos grandes debates atuais. Esse é o caso da escola econômica marxista que, por sinal, vive sua decadência. Tendendo ao isolamento, sobrevive apenas em pequenos círculos. Por outro lado, escolas outrora esquecidas vem retornando ao debate econômico com força total. Um exemplo disso é escola austríaca.

Pegando gancho nesse revival eis que a escola econômica original do anarquismo, o mutualismo, ressurge imponente. Lembrada pelos nomes de Pierre-Joseph Proudhon na Europa e Josiah Warren nos Estados Unidos, o mutualismo reaparece como uma alternativa verdadeira para os anarquistas, independente das correntes, se adentrarem nos debates econômicos no século 21. 
Totalmente reformulada sob os escritos de Kevin Carson, esse "novo" mutualismo se apresenta resgatando a vilipendiada teoria do valor trabalho clássico, incorporando nela novos atributos dos quais variadas escolas econômicas modernas apresentaram durante o tempo. Bem como agregando novas perspectivas para libertários em geral. É nesse espírito que é concebido o Estudos na Economia Política Mutualista.

Kevin Carson inicia fazendo críticas profundas sobre a visão "inocente" que os economistas marginalistas tinham dos clássicos. Critica também a teoria do valor-trabalho de caráter normativo defendida por Marx, a visão absoluta da teoria da utilidade marginal defendida pelos marginalistas (incluindo os austríacos) e muito mais.
Através de pesquisas contundentes, Carson argumenta que o subjetivismo sempre esteve presente nos escritos de Adam Smith e David Ricardo, embora não explícito. Deste modo, é absorvido as contribuições teóricas positivas que surgiram com o tempo, de modo que elas são incorporadas em sua teoria. Como a teoria da utilidade marginal e a teoria da preferência temporal austríaca que são inseridas na teoria do valor-trabalho. Tudo seguindo uma construção teórica a priori como estabelecida pela praxeologia de Ludwig von Mises.

O Estudos..., que está sendo traduzido para o português, possui 3 partes. Na primeira é fundamentado a reformulação da teoria do valor-trabalho. Onde é estabelecido toda a base teórica do qual o livro se sustenta. Na segunda parte é analisado o capitalismo como um todo. O surgimento do capitalismo histórico com a queda do feudalismo, a consolidação do capitalismo corporativo no mundo atual e as tendências deste sistema econômico no mundo globalizado. No terceiro capítulo é discutido alternativas que fogem desse laço vicioso. Propõe novos paradigmas pelo qual ajudaria e eliminar os laços exploratórios que o mundo se encontra.
Estudos na Economia Política Mutualista é uma defesa radical da liberdade no âmbito econômico. Para quem acha que mercados e capitalismo são sinônimos, Carson demonstra que isso nunca passou nem perto da verdade.

Enfim, o que segue abaixo é a tradução do primeiro capítulo em português, "O ataque marginalista à economia política clássica: uma avaliação e contra-ataque". Aqui Carson mostra os espantalhos dos marginalistas, sobretudo de Eugen von Böhm-Bawerk, a respeito dos economistas clássicos. A parte um, onde se fundamenta a teoria carsonista do valor-trabalho, se completa com mais dois capítulos que estão em fase de tradução. Conforme o trabalho de tradução for finalizando cada capítulo do livro (num total de nove), será postado um a um neste site. No final, os capítulos serão reunidos em um livro único. Por isso fique ligado e acompanhe o site.






Rodrigo Viana mantém o blog A Esquerda Libertária. Siga seu twitter: @VDigo

terça-feira, 11 de março de 2014

Os Jovens Hegelianos



Por Non serviam
Em 1841 Stirner se junta aos Die Freien (Os Livres), um grupo de hegelianos de “esquerda”, ou “jovens” hegelianos que se encontravam no Hippel’s Weinstube em Berlim nos turbulentos anos de 1840 à 1845. As figuras centrais eram, Stirner à parte, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, David Strauss e Arnold Ruge. Membros mais jovens foram August von Cieszkowski, Karl Schmidt, Edgar Bauer, Friedrich Engels e Karl Marx.
Os Jovens Hegelianos eram um grupo de intelectuais cujo tema comum era a aplicação contínua do método dialético de Hegel, antes mesmo de uma aceitação das conclusões filosóficas de Hegel. Isso se materializou em críticas radicais à religião, sendo as mais conhecidas delas Das Leben Jesu (A Vida de Jesus) de David Strauss e Das Wesen des Christentums (A Essência do Cristianismo) de Ludwig Feuerbach.
De primeira ordem na visão-de-mundo Jovem Hegeliana, era a crença de que o método dialético de Hegel implicava que a história mundial havia atravessado dois estágios antitéticos; o do sentimento ou materialismo da antiguidade, e depois a época moderna do pensamento na Cristandade, e agora a tarefa do filósofo era passar à práxis sintética. Isto é mais claramente desenvolvido talvez, no Prolegomena a Historiosofia de Cieszkowski. Os Jovens Hegelianos, tendo isso como pontos focais, notoriamente se tornaram politicamente radicais. Da identificação de Hegel do Real e Racional, os Jovens Hegelianos passaram ao programa de racionalizar o real.
Uma breve história das idéias dos Jovens Hegelianos
Espinosa disse, basicamente, que Deus era Pan, isto é. que poderia ser visto tanto como a Natureza, tanto como “nós”. Assim, Eu e Você somos, nesse sentido profundo, idênticos. Este tema é retomado depois por Schelling, um dos antepassados filosóficos de Hegel. Outro antepassado foi Fichte. Fichte admitiu a divisão de Kant entre Mente e Mundo, e tentou unir os dois. Para Fichte, tudo era o “Eu”. Não o meu ou o seu eu, lembre-se, mas um eu geral e todo-permeante, o Eu Absoluto. Quando observamos o mundo, estamos na verdade observando a nós mesmos.
Então ambos Fichte e Schelling tentaram chegar a uma unidade, um não-dualismo entre Mente e Matéria. O que Hegel veio fazer foi declarar ambas as abordagens como sendo ainda “unilaterais” demais, tentando reduzir Mente à Matéria (como no caso de Schelling) ou Matéria à Mente (como no caso de Fichte). Para Hegel, ambos Matéria e Mente são lados do Absoluto. Em sua síntese, Hegel uniu pensamentos religiosos bem como ciência. O desenvolvimento filosófico era o processo dialético de desenvolvimento do Espírito.
Pelo menos, assim ele pensava. Seus discípulos, entretanto, dividiram-se em duas classes: Os Velhos Hegelianos, aqueles que com Hegel diziam que o desenvolvimento filosófico tinha chegado ao fim, e os Jovens Hegelianos que insistiam que, de alguma maneira, se devia “aplicar Hegel à Hegel”, isto é, usar a metodologia de Hegel para ir além de Hegel. São estes últimos que nos interessam.
David Strauss foi o primeiro a ser notado. Ele usou o método de Hegel para analisar o Novo Testamento e chegou à conclusão de que, se Deus fosse como os teólogos o dizem, então era absurdo patente para Ele ser um só Cristo. O Jesus Cristo do Novo Testamento, ele sustentava, não passava de uma metáfora para o verdadeiro Cristo, que é a própria Humanidade. A Humanidade era sua própria redentora, pois no decurso de seu progresso moral, a melhor moral teria que – e de boa vontade! – receber o castigo pelos pecados da velha humanidade moralmente inferior.
Ludwig Feuerbach o acompanha, declarando que a Humanidade não só era o Cristo – mas era também Deus. Isto foi argumentado em seu “A Essência do Cristianismo” – e muito bem, penso eu – que Deus é conhecido pelo sentimento [isto é, intuição]. Mas se é um sentimento de Deus, tal sentimento não deveria ser ele mesmo Divino? Através de uma série de hábeis argumentos, Feuerbach nos leva a admitir que aquilo que significamos por “Deus” e “Divino” é exatamente o sentimento que temos dele. Parte do argumento vai no sentido de que um Deus sem predicados é um sujeito vazio, o qual não demanda nossa atenção. Somente através de Seus predicados é que ele possui tal demanda. E estes eram exatamente aqueles do sentimento da Divindade, aquilo que nós tomamos por “Deus”. Um argumento ulterior nos leva a que tal sentimento é verdadeiramente o sentimento de nós mesmos – diz Feuerbach – e da nossa essência no Homem. A reverência que temos por Deus, na verdade é uma reverência pelo Homem, à espécie e à essência de nós mesmos.
Num ensaio sobre a reforma da filosofia hegeliana, outro importante desafio foi feito por Feuerbach, era o de que Hegel, de algum modo, não teria escapado ao unilateralismo. Hegel não levou em consideração a sensibilidade e o intelecto. Esqueceu-se de descer a Mente da “Fenomenologia do Espírito” à pessoa corporal, pensante.
É com esta última crítica que Stirner o acompanha. Em “Stirner como Hegeliano”, Lawrence Stepelevich argumenta que muito de Stirner pode ser compreendido como se lêssemos a Fenomenologia, a partir de um ponto de vista novo e aperfeiçoado, como se o “nós” presente alhures fosse na verdade o “eu” único e concreto.
Para Hegel, o Absoluto é “o poder do negativo”, isto é, aquilo que não está em determinação, mas observa e critica todo pensamento determinado – isto é, o Sujeito. Para Stirner, esta crítica, este “poder do negativo” é a consciência singular – ele mesmo, o indivíduo. Este é o significado de Der Einzige.
Mas é da Mente como algo diferente de nós mesmos, que partem os Jovens Hegelianos. August Cieszkowski reforma a história mundial de Hegel para que melhor se encaixe na forma hegeliana de filosofia e a divide em Passado, Presente e Futuro. Cieszkowski argumenta que nós passamos pela Arte (o Passado), que foi um estágio de contemplação do Real, à Filosofia (o Presente), que é uma contemplação do Ideal, e desde a filosofia de Hegel, que foi a sumidade e a perfeição da Filosofia, a era da Filosofia terminou e chegou a vez de despontar uma nova era – a era da Ação.
Mas Cieszkowski fez este apelo à ação enxergando a Mente como um Outro. Que outra coisa poderia resultar, se Ação e Vontade forem um Outro, senão num “dever”. Não “eu quero”, mas “eu devo”. E os Jovens Hegelianos posteriores o acompanharam. Mesmo para Feuerbach, o ego estava na espécie, não no homem singular. Assim é que vem o apelo para se realizar a natureza da espécie. A crença de que nossa “essência” reside num coletivo levou – como necessariamente levaria – à ascensão de um “devo” ao qual não se pode dispor por vontade própria.
Leitura sugerida:
  • Lawrence Stepelevich: the young hegelians
  • the philosophical forum, vol. viii, nos. 2-4

Traduzido por José Paulo M. SouzaPara ler o artigo original clique aqui.


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