quarta-feira, 5 de março de 2014

Noam Chomsky: fascinado pelo espetáculo bolivariano



Por Alan Furth

Ao discursar nas Nações Unidas em 2006, Hugo Chávez chamou o ex-presidente americano George W. Bush de “diabo”. Chávez acenava com uma cópia do livro de Noam Chomsky O Império Americano – Hegemonia ou Sobrevivência, catapultando a obra à lista de best-sellers do site Amazon.

De sua parte, Chomsky repetidamente afirmou que Chávez conduziu a Venezuela a uma ruptura revolucionária com o passado político do país, especialmente em relação às políticas sociais do estado para os pobres, ecoando o discurso fundamentador chavista da “revolução bolivariana”.

Numa entrevista para o jornal espanhol Diagonal em março de 2006, Chosmky declarou que “pela primeira vez o país está utilizando suas fontes energéticas para seu desenvolvimento [...], em construção, saúde”. No mesmo tom, em 2005 ele escrevia um editorial para o jornal mexicano La Jornada em que dizia que “somente com Chávez a medicina se tornou uma realidade para a maioria dos pobres”.

No mês passado, numa conversa com o economista venezuelano Miguel Ángel Santos, Chomsky repetiu seu argumento: “Por muitos anos a Venezuela foi dominada por elites que [...] extraíram todos os benefícios das riquezas petrolíferas e marginalizaram os pobres. [...] Chávez se insurgiu contra isso”.

Lamentavelmente, Chomsky ignora fatos básicos da história contemporânea da Venezuela. Não há nada de revolucionário no estado assistencial chavista.

Em Revolution as Spectacle, Rafael Uzcátegui, co-editor do jornal venezuelano El Libertario, apresenta vários dados que mostram que até os anos 1980, quando os preços do petróleo começaram uma queda continuada que drenou a capacidade de o estado venezuelano sustentar os gordos subsídios que apaziguavam as massas desde 1958 e que levaram, eventualmente, ao Caracazo (uma onda de protestos em 1989 em que milhares foram mortos pelo exército durante o segundo governo de Carlos Andrés Pérez), as políticas assistenciais eram tão presentes – e às vezes mais efetivas – do que aquelas surgidas no governo Chávez.

Limitemos a nossa análise às duas áreas mencionadas por Chomsky, a habitação e a saúde (Uzcátegui analisa de forma similar uma grande gama de políticas assistenciais).

De acordo com os dados do censo nacional, os programas de habitação reduziram a quantidade de favelas em relação ao total de residências de 37,8% em 1961 para 12,56% em 1990. A penetração da malha elétrica era de 58,16% em 1961 e 76,59% em 1981. O fornecimento de água aumentou de 46,7% de 1961 para 68,74% em 1981.

A administração Chávez construiu cerca de 26.000 residências por ano entre 1999 e 2008. A média da década de 1990 foi de 64.000 por ano.

As clínicas e hospitais populares criados pela famosa Missão Barrio Adentro, um programa que pretensamente proporcionou acesso sem paralelos à saúde básica para os pobres é, atualmente, incapaz de tratar algo mais complexo que um osso quebrado.

Para tratamentos mais críticos, a população precisa depender dos hospitais mais antigos construídos durante a Quarta República, que em 1980 chegaram a ter uma das maiores coberturas da região, com 2,7 leitos para cada 1.000 habitantes, mas hoje em dia caem aos pedaços.

Isso fez com que, entre outras tragédias, as mulheres mais pobres da Venezuela realizassem seus partos em condições sub-humanas durante o período de 1998 a 2008 e a uma taxa de mortes das mães de 16% devido a abortos clandestinos em 2010.

O argumento de Chomsky de que a Venezuela pré-Chávez era dominada por elites que se locupletavam das riquezas petrolíferas do país é verdadeiro, mas irrelevante: a Venezuela atual é dominada por novas elites, chamadas de boliburguesia – ricas e poderosas graças a suas conexões ou participação direta na gerência do estado bolivariano.

Na realidade, a elite chavista é muito mais corrupta, autoritária e inepta que seus predecessores da Quarta República. Se o monopólio do uso da força e da administração da justiça for de fato a característica definidora do estado, a Venezuela atual pode ser descrita como um estado falido: a epidemia de violência do país gerou quase 25.000 assassinatos em 2013mais de 90% dos quais não foram solucionados.

Hugo Chávez não era um revolucionário. Ele apenas tomou o modelo petroestatista social-democrata que vigorava na Venezuela desde 1958 um novo patamar. Como argumenta Uzcátegui em seu livro, Chávez executou com maestria a arte do espetáculo demagógico como nenhum outro antes dele – um espetáculo que fascinou Noam Chomsky, apesar de toda a sua habilidade analítica e intelectual.

Traduzido por Erick Vasconcelos. Para ler o artigo original clique aqui.


Alan Furth é um minimalista, economista e comentarista político. Ele mantém o blog Musing on Minus.