quarta-feira, 30 de julho de 2014

Maria Lacerda de Moura



Por Mabel Dias e Coletivo Insubmiss@s

Publicado na cartilha “Mulheres Anarquistas: o resgate de uma história pouco contada” em 2003.

Nascida em 16 de maio de 1887 em Minas Gerais, foi uma figura polêmica, e desde cedo teve interesse pelas idéias sociais e anticlericais.

Maria Lacerda de Moura defendia uma postura libertária para as mulheres, quando, por exemplo, incitava as mães de soldados que estavam indo participar da Segunda Guerra Mundial, no combate às tropas nazistas, para que não deixassem que seus filhos se alistassem no exército; dizia ainda que o voto não significava nenhuma emancipação para as mulheres e defendia a maternidade como uma livre opção, e não uma imposição.

Foi professora primária, em Barbacena, Minas Gerais, formada pela Escola Normal, e acreditava na educação como um instrumento de transformação social, tendo adotado a pedagogia libertária de Ferrer. Como educadora aderiu às campanhas de alfabetização de adultos, e fundou a Liga Contra o Analfabetismo. Na década de 20, 80% da população brasileira tinha acesso a uma alfabetização rudimentar. Teve um trabalho com as mulheres da região, incentivando mutirões de construção de casas para a população carente da cidade.

Ao se mudar para trabalhar em São Paulo, em 1921, começou a dar aulas particulares e posicionou-se contra as iniciativas oficiais no ensino, buscando alternativas educacionais ligadas a movimentos sociais.

Partindo de suas leituras e reflexões sobre a condição feminina, no trabalho e na educação, passou a combater outras formas de autoritarismo na esfera do pequeno grupo e na privada, como combateu na esfera pública com relação ao poder político e econômico.

Participou do teatro social e colaborou com a imprensa operária e anarquista, tendo fundado em 1923 a revista Renascença, que circulava entre os anarquistas e livres pensadores. No jornal A Plebe, escrevia principalmente sobre pedagogia e educação. Denunciava as práticas pelas quais os exploradores mantinham o saber e o poder sobre a mulher e a criança, adotando assim o discurso e a prática pedagógica
anarquista.

A partir de 1926, passou a viver em uma comunidade, em Guararema, interior de São Paulo. Tratava-se de um lugar formado por objetores de consciência da Primeira Guerra Mundial, que tinham se reunido à beira do rio Paraíba, pretendendo viver em liberdade, sem hierarquias. A comunidade de Guararema pereceu diante da repressão do governo de Getúlio Vargas, em 1935. Quando a comunidade acabou, Maria Lacerda de Moura voltou para Barbacena e tentou viver como professora de preparatórios para o ginásio.

Teve algumas divergências com os anarquistas, respectivamente nos anos de 1923 e 1935. A primeira divergência foi quando em uma conferência chamada "Conformados e Rebeldes", ela discorreu sobre a obra
educacional do ministro da União Soviética, elogiando-a. A platéia era de anarquistas, que ficaram revoltados, pois sofriam com as violentas perseguições movidas pela União Soviética aos dissidentes do Comitê Central e não gostaram nada no apoio que Maria Lacerda deu a obra do ministro russo em seu discurso. Em 1922, ela volta a juntar-se aos anarquistas na campanha contra a guerra e na Liga
Anticlerical.

Mas vem então a segunda polêmica, quando ela declarou, durante a publicação de seu livro antifascista "Fascismo -filho dileto da Igreja e do Capital”, que além de Jesus Cristo não conhecia outros anarquistas. Daí então, houve um novo afastamento, tanto de Maria Lacerda de Moura em relação aos anarquistas, quanto dos anarquistas em relação a ela.

Osvaldo Salgueiro e Pedro Catalo, no jornal A Plebe, diziam que Maria Lacerda tinha um discurso confuso e disperso, uma inconsistente teoria política e apresentava contradições em seus escritos e em sua atuação. Edgard Leuenroth, teve a colaboração da jornalista nos jornais A Plebe e A Lanterna e quando escreveu seu livro, em 1953, Anarquismo: roteiro de libertação social, não menciona nenhuma obra de Maria Lacerda de Moura.

Ela se considerava individualista e dizem que por isso ganhou antipatias das feministas que não davam respaldo aos livros publicados e palestras que ela fazia, até porque ela criticava os propósitos das feministas, que acreditavam que o voto e a mulher no poder mudariam a situação de submissão das mulheres. Durante algum tempo foi presidenta da Federação Internacional Feminina e tentou articular as mulheres de Santos e São Paulo num movimento que ultrapassasse os objetivos eleitorais do movimento sufragista de Bertha Lutz. Embora tivesse tido divergências com @s anarquistas, os pontos em comum entre el@s eram vários.

Tinha posturas que se aproximavam dos movimentos anarquista e feminista, mas sentia-se livre para tecer críticas a ambos, ou a outros movimentos político-sociais, pois via erros neles e não conseguia deixar que isso passasse "em branco", sem que ela exprimisse sua posição pessoal.

De 1939 a 1945 (ano em que morreu), recolhe-se a um silêncio correspondente à crença de que cada um@ só pode descobrir a sua verdade, e sob a inspiração de Tolstoi, Gandhi e do individualista francês Han Ryner, passou a denunciar os perigos da "ciência sem consciência", cujas descobertas ligadas aos interesses industriais iriam ampliar as conquistas bélicas.

Algumas obras de Maria Lacerda de Moura: Em torno da educação; A mulher é uma degenerada?; Lições de Pedagogia; Religião do amor e da Beleza; Clero e Estado; Amai... e não vos multipliqueis; Clero e Fascismo e Serviço Militar Obrigatório para mulher - Recuso-me, Denuncio!


Mabel Dias é ativista e atua no Coletivo Insubmiss@s

Veja também:

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Fábrica de suor não é opção, é falta dela



Por Rodrigo Viana

No fantasioso mundo econômico da corrente principal do liberalismo, e até mesmo entre aqueles que se mostram mais progressistasdefender as chamadas "fábricas de suor" (do inglês sweatshop) em países de terceiro mundo e o tipo de empreendedorismo que isto acarreta é visto, às vezes, como algo quase que “sacrossanto”.
Afinal, que outra coisa senão o lucro do "pobre coitado do patrão" poderia possibilitar aquele tão sonhado emprego ao trabalhador? Coitado do capitalista, “tão explorado” quanto o trabalhador por esse horrendo ser chamado estado. Oh, o que seria desse trabalhador se não fosse a gana desse simpático e bonachão patrão, não é mesmo? Alguém que sai de um país qualquer para empreender seu lucro honesto[sic] num país pouco desenvolvido e com tamanha adversidade, só pode ser alguém iluminado tal pessoa!
Ironias à parte, fato é que defender fábricas de suor torna-se um discurso abjeto e infundamento quando visto de maneira global, pois resulta na defesa de uma economia "tão livre" quanto o neoliberalismo de Pinochet.

Mas o que seria então uma fábrica de suor? Bem, fábrica de suor é um conceito que descreve um ambiente de trabalho em condição extremamente desfavorável ao trabalhador. Geralmente, o trabalho nesses lugares é exercido de modo muito dificultoso, perigoso e pago com salário desproporcional. Salários de fome, extensas horas de trabalho e trabalho infantil são características comuns. Tais condições existiram de forma muito ampla nos atuais países desenvolvidos durante o surgimento do capitalismo e se faz presente em países subdesenvolvidos.

Há algumas semanas atrás a mídia em geral noticiou um caso incomum, mas não novo, de trabalhadores chineses pedindo ajuda, por meio dos próprios produtos fabricados, aos consumidores sobre a situação em que estes trabalhadores se encontram. O assunto repercutiu e várias agências de notícias do mundo relataram o caso. Vale lembrar que estas condições sub-humanas também se encontram no Brasil, como nos diversos casos relatados de imigrantes bolivianos trabalhando em precariedade em indústrias têxteis.

Diante dos argumentos que venho lendo desses liberais (veja aqui e aqui) e até de neoliberais, como Paul Krugman, a respeito da defesa deles às condições calamitosas no terceiro mundo, todos eles tendem a seguir a argumentação da preferência de cada indivíduo como corolário ao fato de que os trabalhadores estariam supostamente optando pela melhor escolha para si. O problema dessa linha argumentativa é que, colocada abaixo de outras teorias políticas e análises históricas dos quais estes grupos não estão muito familiarizados, ela não se sustenta. Para entender o por quê disso devemos compreender o contexto em que as grandes empresas se inserem nesses países mais pobres. 

As fábricas de suor tendem a se apresentar em sociedades onde a atividade comercial já está amplamente sob controle e regulada. E uma vez sob controle, o capitalista tem a oportunidade de fixar o preço que quiser na compra do trabalho alheio para se beneficiar numa range maior, de modo que atraia o trabalhador que antes estava em outro ofício. Quer dizer, estipular um valor x, em um mercado aparelhado, o bastante para apenas atrair esse trabalhador de modo que fique "refém", totalmente dependente deste emprego. Sem nenhuma outra opção de fato. Isso geralmente ocorre pelo fato do capitalista ter acesso à determinadas informações, muitas vezes antes de sua própria empresa se adentrar na economia local, que é o que normalmente acontece em tratados comerciais envolvendo burocratas e/ ou CEOs. Ao qual pode ser dado informações valiosíssimas para o capitalista ter noção do seu empreendimento perante o cenário econômico, como o número certo de concorrentes (ou a inexistência deles), regulamentações existente (ou futuras) ou possíveis políticos que representem seus interesses corporativos.

Por outro lado, quando uma empresa já estabelecida contrata trabalhadores, estes normalmente não possuem informações prévias necessárias de como realmente será o ambiente de trabalho em que eles exercerão seus ofícios. A escolha do trabalhador, na maioria das vezes, é feita no escuro pois as próprias corporações buscam eliminar o vazamento dessas informações. Sobretudo quando, de fato, há características de um ambiente de trabalho exploratório, pois tais informações podem chegar em sociedades onde não existam tais condições de trabalho, onde geralmente é visto com ojeriza pela população destes locais mais avançados, podendo sofrer até pressões populares.

Outro ponto é a globalização das regras de funcionamento econômico que o capitalismo gerou no mundo. Ao empreender em um determinado país, o capitalista já se vê favorável diante de um sistema que o privilegia. Abastecido de grandes monopólios, estas multinacionais são protegidas por tarifas, por meio do protecionismo, e por patentes, por meio de direitos autorias e propriedade intelectual, que impedem que haja concorrência no setor. É o que acontece quando um grande produtor internacional leva a sua fabricação em tais locais subdesenvolvidos, deixando os próprios cidadãos impossibilitados de produzir o mesmo produto para ser comercializado localmente.
O resultado? Bem, não há livre iniciativa entre produtores, bem como não há barganha entre trabalhador e patrão, mas tão somente um jogo de cartas marcadas onde apenas um lado sairá vencedor. Em um cenário do qual o trabalhador possui pouca (ou nenhuma) voz, a lei que rege é a de quem tem poder, seja político ou econômico. Esse é o cenário contraproducente que se assemelha muito ao que sabiamente Marx dizia sobre a “alienação do trabalho”.

Vale mencionar também o fato de que as classes mais baixas contam com problemas econômicos distorcidos, agregados de tempos em tempos, que vem os impossibilitando a ascenderem socialmente. O processo histórico que privilegiou senhorios, burocratas e grandes empregadores gerou um cenário de desiquilíbrio que empurrou pequenos comerciantes, profissionais autônomos e trabalhadores associados para o trabalho assalariado. Tal processo é o que se chamou de 
acumulação primitiva. Não é em vão que as classes mais baixas se vêem impossibilitadas de manterem uma autonomia laboral diante das gigantes corporações que tomam conta da vida econômica de tais países.

Diante dos fatos citados, essa a suposta escolha do trabalhador poderia ser ilustrada como a “escolha” de uma vítima na mira de um assaltante que queira tomar sua carteira. Será mesmo que se os trabalhadores estivessem em pé de igualdade com as informações e a autonomia garantida ao qual as corporações se dispõem ainda assim eles iriam preferir exercer seus produtos laborais em tais condições? A ideia de um ambiente de trabalho autoritário e intimidador é realmente mais persuasivo que um ambiente de trabalho amplamente democrático e de plena liberdade? O melhor governo é o que não governa”, dizia Henry D. Thoreau e o mesmo se aplica às instituições econômicas.
Claro que eu não acredito que os liberais que defendem tal arranjo sócio-econômico (pois existem exceções) apoiam condições exploratórias. Claro que não. No entanto, o argumento que resulta disso tende a apoiar tão somente o status quo e privilégios patronais e esquecer alternativas concretas que possam ampliar as verdadeiras escolhas dos trabalhadores. O discurso matreiro de "falta de opções", no fundo, revela um entendimento pífio referente a fenômenos históricos e sociais que envolvem a sociedade. É como querer analisar determinados fatores resultantes de políticas desastrosas empregadas de séculos atrás através de argumentos que visam tão somente levar em conta o que aconteceu no mês passado. Não dá e nem deve levar tal coisa à sério.

Arranjos que realmente visam a melhoria do ambiente de trabalho e do bem-estar do trabalhador? Posso citar alguns: empresas coletivas, cooperativas, trabalhadores autônomos, sindicalismo (moderado ou revolucionário), associações de ajuda mútua, comissões de fábricas, conselhos operários e etc. Também a extinção de leis e regulamentações que obstrui a maximização do apoderamento das classes mais baixas como: fim do monopólio das patentes e tarifas; abolição dos títulos atuais de propriedade para visar novas relações legais de propriedades sobre o princípio da ocupação e uso; fim do monopólio financeiro com a extinção do banco central e da obrigatoriedade da moeda circulante; desestatização dos sindicatos e muitos outros.
Agora apoiar fábricas de suor? Não, isso não é uma opção. Fábricas de suor é o resulto de uma economia fechada e de privilégios. Não tem nada a ver com liberdade.

Economia é uma ciência humana e interpretá-la de modo estrito, sem levar em conta fatores históricos, sociais, políticos, antropológicos que cercam o mundo pode deixar-se guiar a defender absurdos. Mesmo de modo equivocado.


Rodrigo Viana escreve para os sites Libertarianismo.orgMercado Popular.org e mantém os blogs Libversiva! e A Esquerda Libertária. Siga seu twitter: @VDigo