segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Propriedade social e propriedade política



Por Jakob Pettersson “Sushigoat”

Mutualistas estão numa posição incômoda: eles mesmos se rotularam como anti-proprietaristas e pró-proprietaristas ao mesmo tempo. A frase “A propriedade é roubo” dita por Proudhon é certamente muito mais citada do que o livro “O que é a propriedade?” é lido, muito menos o trabalho posterior de Proudhon. Isso se torna sobretudo confuso se você ler a defesa de Benjamin Tucker e Clarence Lee Swartz da propriedade individual, que traz à mente um nerd relaxado com uma arma apontada e balançando uma bandeira Gadsden [1] (brincadeira, brincadeira...).

A propriedade mutualista é normalmente resumida como “ocupação e uso”. É verdade que esse é o PRINCÍPIO no qual baseamos a posse legítima, porém esse princípio é geralmente aplicado só quando há um conflito em que se tem o direito de posse. Essa é a forma que o mutualista sempre enquadrou como uma resposta para o feudalismo da “propriedade privada” capitalista. Normalmente nunca se discutiu no mutualismo tradicional se a pessoa A poderia, de forma legítima, ir para a sua casa e roubar comida da pessoa B, enquanto B está longe. Eu acho essa preocupação um pouco boba. Acordos locais seriam feitos por todos os envolvidos para assegurar com que as pessoas não pisem nos calos dos outros. É a única maneira, dado que propriedade em material morto é uma construção social, não uma lei objetiva.

Em uma análise mais ampla, o mutualista promove não apenas uma vaga base de ocupação e uso de propriedade, eles promovem o que eu gostaria de chamar de Propriedade Social contra Propriedade Política. Propriedade política é a propriedade que só pode ser realizada e aplicada mediante um mecanismo estatal. Propriedade política só pode existir e ser mantida pela força do estado. Kevin Carson faz um trabalho brilhante ao nos mostrar como o Estado pode contribuir na criação, aplicação e manutenção do que hoje é conhecido como propriedade privada “capitalista” em seu ensaio destruidor de ilusões chamado The Iron Fist Behind The Invisible Hand (“O punho de ferro por trás da mão invisível”, tradução livre). É claro para os mutualistas que a propriedade capitalista como sendo um produto de uma economia livre é um mito destrutivo, uma fábula insultante. O domínio da posse privada sobre o capital e da propriedade territorial (efetivamente o feudalismo) só pode ser visto como uma classe utilizando o estado para expropriar o tempo de trabalho e o arrendamento a partir de outros. A propriedade socialista estatal também está incluída, muito embora seja instituída por diferentes motivo: para atacar a propriedade capitalista. Mas, como temos visto, é uma tentativa ridícula, já que a propriedade capitalista é um produto do próprio estado.

A propriedade social, em contraste com a propriedade política, pode ser melhor descrita como Robert Anton Wilson e Robert Shea colocaram nos livros da The Illuminatus Trlogy:

O teste é interrogar, de qualquer título de propriedade que você seja solicitado a aceitar ou o que você interrogará aos outros para aceitar, 'Isso seria honrado em uma sociedade livre e de racionalistas ou iria exigir o poderio armado de um Estado para forçar as pessoas a honrá-lo?' Se for o primeiro, ele... representa a liberdade; se for o último... representa o roubo.

A propriedade social é precisamente o que seria honrado por todos em uma sociedade livre, e isso é o que queremos que gira em torno da sociedade. Uma forma de interagir uns com os outros sem pisar nos calos de cada um. Sem o privilégio estatal aplicado distorcendo princípios de posse, nós poderíamos imaginar essa forma de propriedade se tornar a norma da sociedade: ela pode ser individual, coletiva ou comunal, mas nunca feudal, territorial e usurpadora.


As diferenças são claras: a propriedade social evolui da interação contínua de indivíduos livres em uma comunidade, através da realização de como nós podemos estruturar melhor a sociedade de uma forma mútua. Propriedade política é o oposto: não se importa com pessoas, só se preocupa com a vontade da pessoa que segura a arma. Ela não evolui; impede a evolução e subjuga as pessoas. Por isso, a propriedade social é nossa meta. A propriedade política permanece como nossa inimiga.

Nota do Tradutor:
[1] O autor faz uma provocação já comum contra os libertários de direita, especialmente nos Estados Unidos que é o país onde eles se concentram, ao dizer que eles só existem na internet e não fora dela. Isso é baseado no fato de que a militância e o ativismo político nas ruas sempre estiveram por conta dos anarquistas, e não de anarco-capitalistas.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o original clique aqui.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Redes de seguridade social vs redes de seguridade anti-social



Por Jakob Pettersson “Sushigoat”

A crença em uma “rede de seguridade social” é geralmente relacionado ao progressismo ou a social-democracia de estilo escandinavo. Então é compreensível que o conceito seja normalmente ligado à uma função estatal e ao conceito de “estado inchado” (muito embora não seja necessariamente assim). O conceito tem sido posto em tentativas e, sob períodos de tempo, tem funcionado (veja a Suécia, o meu país de origem, por exemplo). Contudo, sempre que ocorre a queda inevitável na economia corporativa, a rede de seguridade social (leia-se os pobres) é falsamente responsabilizada, muito embora os culpados geralmente são os capitalistas e o privilégio de monopólio que eles recebem do estado.

Mutualistas, enquanto anarquistas, também acreditam em uma rede de seguridade social. Nós acreditamos que por causa da reciprocidade e progresso, é bom que nós cuidemos daqueles em piores condições na sociedade. Todavia, nossa rede de seguridade social é diferente. Eu tentarei explicar a rede de seguridade social que mutualistas preferem e como ela é diferente e (e preferível) sobre o estado de bem-estar social.

A rede de seguridade social mutualista: Ajuda Mútua

Ajuda Mútua é uma organização ou rede de trabalho em que bens e serviços são trocados voluntária e reciprocamente entre os membros para benefício mútuo. É um sistema de cooperação para atender às necessidades e cuidar de pessoas. Esta forma de organização tem existido por um longo tempo ao qual temos conhecimento, e definitivamente existe hoje em dia. Porém os mutualistas não desejam apenas pequenos números destas organizações. Os mutualistas buscam construir essa forma de organização, rede de trabalho, e associar sobre amplas áreas geográficas por meio da federação, gradualmente substituindo as funções existentes do estado. Após a queda do tíquete-feudalismo de nossos dias, elas serão a pedra angular fundamental da sociedade mútua.

Caridade privilegiada vs solidariedade recíproca

Oscar Wilde, em “A alma do homem sob o socialismo”, apontou o seguinte sobre bem-estar social e caridade:

Eles tentam resolver o problema da pobreza, por exemplo, por manter os pobres ativos; ou no caso de uma escola muito avançada, por entreter os pobres. Mas isso não é uma solução: é um agravamento da dificuldade. O objetivo apropriado é tentar e reconstruir a sociedade em bases dos quais a pobreza será impossível.
(…) É imoral utilizar a propriedade privada afim de aliviar os males horríveis que resultam da instituição da propriedade privada.

Embora ele não fosse um mutualista, nós concordamos com ele de que a caridade não é o objetivo da sociedade, mas a solidariedade. Bem-estar social é privilegiar tentando se justificar por gastar frações do que é saqueado do pobre em manter essas pessoas pobres de morrer. Solidariedade, na forma de organização de ajuda mútua, é um sistema de agentes iguais atuando juntos para promover reciprocidade e mutualidade.

Ademais, o estado é uma organização inerentemente anti-social. Como Mao colocou, é a autoridade política que vem do barril de uma arma. É um emprego para mandatar ou proibir. Quão absurdo é assumir que tal instituição resolveria os problemas da desigualdade? Igualdade social não pode ser mandatado de cima pelo estado porque o estado é uma desigualdade inerente, assim como o anti-racismo não pode ser mandatado por uma “raça superior”. Se nós quisermos a igualdade, nós devemos criar instituições que são iguais. Uma parte central da estratégia política mutualista é: criar redes de estruturas de ajuda mútua livres para gradualmente substituir as tentativas antigas e falhas do status quo para limpar sua própria bagunça.

Livre associação vs dependência forçada

A rede de seguridade social, afim de se manter fiel ao seu nome, deve dar às pessoas o direito de se associarem e desassociarem livremente. Quão “social” é forçar as pessoas a participarem de sua organização? Para que a estrutura permaneça social ela deve também ser voluntária. O estado de bem-estar social não é voluntário, mas a ajuda mútua é. Pode haver muitas redes de ajuda mútua diferentes se sobrepondo, e as pessoas que se sentirem insatisfeitas com uma rede de ajuda mútua em particular pode mudar para aquela que satisfaça as suas necessidades. Um outro benefício da livre associação é que se a estrutura é falha, todos podem rapidamente se desassociar e se reassociar sem os tediosos processos dos quais o estado de bem-estar social traz consigo.

Prestação de contas vs Burocracia

Hierarquia implica burocracia e isso é verdadeiro para o estado de bem-estar social também. Quando as pessoas, em situação de necessidade, se voltam para o estado em busca de cuidados, geralmente elas são atendidas com uma burocracia desanimadora e impessoal, com dificuldade de compreender a papelada, com perguntas sobre seus hábitos pessoais, e características que você preferiria manter consigo, etc... É difícil imaginar que a estrutura centralizada e de cima para baixo jamais poderia possuir o altruísmo mágico que os progressistas sociais atribuem e não atribuem à ela. Hierarquia, burocracia e centralismo tornam o suposto igualitarismo do estado de bem-estar social em uma piada perversa. A hierarquia, como Kevin Carson aponta [N. T.: em seu livro “The Desktop Regulatory State” (O estado regulador de área de trabalho, tradução livre)], é incapaz de processar de forma adequada a informação necessária para atender a sua função:

Não importa o quão perspicaz ou cheio de recursos eles são, não importa o quão prudente, como seres humanos em lidar com a realidade real. No entanto, pela sua própria natureza, as hierarquias isolam aqueles no topo da realidade sobre o que está acontecendo em baixo, e força-os a operar em mundos imaginários onde toda a inteligência deles se torna inútil. Não importa o quão inteligente os gestores são como indivíduos, uma hierarquia burocrática torna a inteligência deles menos utilizável.

Em uma sociedade de ajuda mútua, os interesses são tratados em uma estrutura democrática focada face a face. Informações sobre recursos disponíveis e as necessidades de cada membro são abertas à todos. Indivíduos são mais respeitosos para com outro, uma vez que todos eles estão mutuamente em dívida para com o outro. Diferente para a dívida que um beneficiário de bem-estar social tem ao assistente social. Interesses que exigem comunicação e tomada de decisão sobre uma ampla área geográfica seriam tratados por meio de uma federação exonerada e livre entre organizações locais, significando que o poder vem de baixo para cima, como o oposto do de cima para baixo. Organizações feitas de baixo para cima se iniciam com o indivíduo e se interligam dentro de uma federação complexa de indivíduos e grupos baseados nas escolhas destes indivíduos. Isso significa um grau de prestação de contas sem precedentes na desanimadora burocracia do estado de bem-estar social.

Em suma:

O bem-estar social é privilégio abrandando as bordas da própria tirania através da caridade, a ajuda mútua desmantela o privilégio e o substitui com a solidariedade recíproca.

O bem-estar social destrói o aspecto social da rede de seguridade por apontar uma arma no pescoço de todo mundo, a ajuda mútua se torna a realização completa do aspecto social por torná-lo voluntário e humano.

O bem-estar social utiliza os meios de menos liberdade, a ajuda mútua utiliza os meios de mais liberdade.

O bem-estar social cria dependência de muitos para com uns poucos, a ajuda mútua cria interdependência mútua de todos os envolvidos.

O bem-estar social tenta alcançar os fins de uma rede de seguridade social pelos meios de uma burocracia hierárquica desanimadora, a ajuda mútua tenta alcançar os mesmos fins através de uma democracia horizontal, humana e responsável.


O bem-estar social é a adolescência da justiça sócio-econômica, e a ajuda mútua é a sua adultícia.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o original clique aqui.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Você não consegue Competir com a Cooperação – A artificial corrida de ratos do capitalismo



Por Jakob Pettersson “Sushigoat”

Os humanos são competitivos? Com certeza parece que sim e isso não é uma impossibilidade. Outros animais também são, como os gorilas machos competindo pela liderança sobre o grupo. Mas de que forma nós somos competitivos? Eu não penso, sob qualquer circunstância, de que somos competitivos no sentido capitalista como. Eu não penso, em uma sociedade completamente livre, que a ideia capitalista da “competição” vá ser predominante para qualquer extensão maior.

Por quê? Porque a competição capitalista é amplamente artificial. Está enraizado no financiamento coletivo da proteção da propriedade privada. Isto é, independente se você gosta ou não de título de propriedade, independente de se isso irá te afetar negativamente ou não, seus impostos entram para financiar isso. Um pequeno empresário paga pela grande corporação que está forçando-o para fora dos negócios, o vegano tem que pagar pelo abatedouro, o ambientalista pela empresa de petróleo e etc, etc. A lógica é que dado que a propriedade privada é um dom de deus, direito natural, nossos “caprichos subjetivos” não devem governar as relações de propriedade, somente um sistema legal cego que protege qualquer “fruto do trabalho de alguém” que aparece dentro dos limites das áreas geográficas dadas. Isto é, a concessão de propriedade não está sujeita à competição; mas a propriedade concedida sim.

A lei permite o homem comum ter uma opção para escolher (ou não) Pepsi ou Coca; a ele não é permitido dizer uma palavra se ele queira financiar ou não a proteção de qualquer empresa. Em uma sociedade livre, sem qualquer financiamento coletivo forçado, qualquer propriedade é considerada legítima pelo estado capitalista. É razoável assumir que as pessoas não colocariam recursos em proteção de propriedade que eles se opõem. Pelo contrário, propriedade é um projeto inteiramente comunitário. Indivíduos e grupos examinariam com seus vizinhos e/ ou comunidades mais amplas sobre se uma certa forma de propriedade seria permitida ou não. Todos nós sabemos que capitalistas não são exatamente muito populares nas comunidades; pegue o público desgostoso com o Wal-mart, tanto donos de pequenos negócios quanto ativistas trabalhistas. Quão razoável é dizer que uma comunidade apoiaria uma indústria destrutiva com os trabalhos e recursos deles? Não muito. Dado que uma sociedade livre significa livre associação, o público geral não se associaria com a indústria antagônica que ameace roubá-los fora da auto-suficiência deles. Dado que capitalistas não tem o benefício das classes mais baixas financiando suas indústrias sem o consentimento deles, a existência dos capitalistas não poderia ser economicamente justificada.

Anna Morgenstern explica, como segue:

Os anarco-capitalistas geralmente tem um ideia florida absurda do relacionamento entre patrão e trabalhador do qual não se baseia na realidade. Quase ninguém acorda e vai para o trabalho pensando "graças à Deus pelo meu maravilhoso chefe, que foi amável o bastante para empregar um derrotado como eu". Quando a invasão externa chega, a classe média irá defender a si mesma e sua própria propriedade. Mas eles não vão arriscar suas vidas pelo Wal-mart sem ter uma parte disso.

Se as comunidades estivessem no comando de alocar recursos para proteger a indústria de intrusão, certamente eles iriam preferir financiar aquelas indústrias que são mutuamente benéficas para todos. Comunidades buscariam aquelas formas de conduta econômica que fosse cooperativa, ao invés de competitiva. E num certo sentido está competindo contra o capitalista ou contra os títulos antagônicos de propriedade. Mas não é a competição vil e desumana que vemos ao nosso redor hoje; é uma competição para melhor cooperar. Como Kropotkin observou, a “sobrevivência do mais apto” na prática significa a “sobrevivência daqueles que melhor cooperam”. Agora mesmo os políticos e capitalistas são aqueles que melhor cooperam. O estado capitalista é necessariamente uma rede de ajuda mútua entre o mais rico e o mais poderoso; mutuamente benéfico para cada um em manter o poder deles. Se nós fôssemos nos unir para empoderar nossas próprias indústrias cooperativas e agir fora do status quo, nós iríamos arruiná-los. As funções principais dos governos e capitalistas são: (A) roubar pessoas a partir dos meios para satisfazer suas próprias necessidades; e (B) tonar as pessoas dependentes deles para agir como parasitas. Como uma piada de mau gosto, ele exigem que trabalhadores operários e camponeses sejam gratos a eles. Porque sem eles, quem satisfariam as necessidades deles? Nenhuma consideração é dada aos trabalhadores operários ou camponeses, se podem confiar neles próprios ou não.

Independente se você vê a propriedade como um dom de deus, direito objetivo, que ninguém pode agredir contra como uma lei da natureza, exigir que todos reconheçam seu título de propriedade e reunir recursos para proteger esse direito por meio de tributação violenta é uma negação dessa própria lei. Eu não estou agredindo contra qualquer propriedade que você tenha por não concordar em apoiar essa propriedade com meus pertences pessoais; na verdade, eu estou praticando esse próprio “direito”, mesmo se tal direito existe ou não. Se a comunidade em geral opta por não proteger a sua propriedade, eles não tem agredido contra, eles apenas não a reconhecem. Eles simplesmente tem tornado a consideração contínua de que propriedade privada é impossível para você. Azar o seu. A comunidade desassociaria contigo ela mesma e tornaria sua indústria um negócio de risco, dado que estaria sujeita a roubo e sabotagem. Você pode chorar junto a Locke e ao Direito Natural que você queira, mas você não pode exigir que a comunidade deva dar suporte a projetos que eles achem desagradáveis ou prejudiciais.


Se nós quisermos sobreviver por meio destes tempos terríveis, é essencial que nós cooperemos, ao invés de competirmos com cada um. Se nós quisermos fazer isso, nós devemos destruir as coisas que nos mantém competindo, chamado estado. Se o estado fosse abolido, títulos à posse se desenvolveriam por fora por meio do respeito e interação com a comunidade que isso afeta. Expressando de forma simples, em uma sociedade livre você não consegue competir com a cooperação.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sim, há uma alternativa ao capitalismo: Mondragon mostra o caminho



Por Richard Wolff

Há uma alternativa (“Princípio Tina”) ao capitalismo?

Sério? Estamos a crer, com Margareth Thatcher, que um sistema econômico com repetidos ciclos sem fim, resgates financeiros dispendiosos para financiadores e agora austeridade para a maioria das pessoas é o melhor que os seres humanos podem fazer? Tendências recorrente do capitalismo em direção a desigualdades extremas e profundas de renda, riqueza e poder político e cultural exigem de resignação e aceitação – por que não existe alternativa?

Eu entendo porque tais líderes do sistema gostariam que nós acreditássemos no Princípio Tina. Mas por que os outros?

Claro, alternativas existem; elas sempre existem. Toda sociedade opta – conscientemente ou não, democraticamente ou não – entre formas alternativas para organizar a produção e distribuição de bens e serviços que torna possível a vida individual e social.

Sociedades modernas tem, sobretudo, optado por uma organização capitalista de produção. No capitalismo, donos privados estabelecem empresas e selecionam seus diretores que decidem o que, como e onde produzir e o que fazer com a receita líquida das vendas da produção. Esse pequeno punhado de pessoas faz todas essas decisões econômicas pela maioria das pessoas – que faz a maioria do verdadeiro trabalho produtivo. A maioria deve aceitar e viver com os resultados de todas as decisões diretoriais feitas pelos principais acionistas e conselhos de diretores que eles selecionam. Estes últimos também selecionam suas próprias substituições.

Capitalismo, portanto, implica e reproduz uma organização altamente não democrática de produção dentro das empresas. Os crentes no Princípio Tina insistem que não existem alternativas para essas organizações capitalistas de produção ou não poderiam funcionar quase que tão bem em termos de processos de produção, eficiência e de trabalho. A falsidade dessa alegação é facilmente mostrada. De fato, foi-me mostrado em algumas semanas atrás e eu gostaria de esboçar isso para vocês aqui.

Em Maior de 2012 eu tive uma oportunidade de visitar a cidade de Arrasate-Mondragon, na região basca da Espanha. É a sede da Mondragon Corporation, uma alternativa incrível de sucesso referente a organização capitalista de produção.

A Mondragon é composta de muitas empresas cooperativas agrupadas em quatro áreas: indústria, finança, varejo e conhecimento. Em cada empresa, os membros cooperados (uma média de 80 a 85% de todos os trabalhadores por empresa) são donos coletivos e dirigem a empresa. Através de uma assembléia geral anual, os trabalhadores escolhem e empregam um diretor-gerente e retém o poder para fazer todas as decisões básicas da empresa (o que, como e onde produzir e o que fazer com os lucros).

Como cada empresa é uma constituinte da Mondragon como um todo, seus membros devem conferir e decidir com todas os outros membros de empresa quais regras gerais irão reger a Mondragon e todas as suas empresas constituintes. Em suma, os trabalhadores-membros da Mondragon escolhem, contratam e demitem os diretores, enquanto que nas empresas capitalistas o inverso ocorre. Uma das regras adotadas de forma cooperativa e democrática rege os limites dos trabalhadores/ membros da Mondragon mais bem pagos a ganhar 6,5 vezes o valor dos trabalhadores menos pagos. Nada mais demonstra de forma impressionante as diferenças distintivas dessa forma com a organização alternativa capitalista de empresas (nas corporações dos EUA, CEOs podem esperar a serem pagos a 400 vezes o salário do trabalhador médio – uma taxa que aumentou 20 vezes desde 1965).

Dado que a Mondragon possui 85 mil membros (de acordo com seu relatório anual de 2010), suas regras de igualdade de remuneração podem e contribuem para uma sociedade maior, com renda e igualdade de riqueza muito maior do que é típico em sociedades que tem optado por organizações capitalistas de empreendimento. Mais de 43% dos membros da Mondragon são mulheres, cujos poderes de igualdade com os membros do sexo masculino, da mesma forma, influenciam as relações de gênero na sociedade, diferente das empresas capitalistas.

A Mondragon mostra um compromisso à segurança no trabalho que eu raramente tenho encontrado em empresas capitalistas: ela opera, bem como internamente, através de empresas cooperativas especiais. Os membros da Mondragon criaram um sistema para deslocar trabalhadores das empresas que precisam de menos para aquelas que precisam de mais trabalhadores – em uma forma totalmente aberta, transparente e governada por regras e com viagem associada e outros subsídios para minimizar as dificuldades. Este sistema focado na segurança tem transformado as vidas dos trabalhadores, suas famílias e comunidade também de formas únicas.

A regra da Mondragon de que todas as empresas devem obter recursos a partir dos melhores e menos dispendiosos produtores – sendo ou não aquelas empresas também da Mondragon – tem mantido a Mondragon na vanguarda das novas tecnologias. De igual modo, a decisão para usar de uma parcela de cada receita líquida dos membros da empresa como um fundo para pesquisa e desenvolvimento tem financiado o desenvolvimento impressionante de novos produtos. R&D, junto com a Mondragon, emprega hoje 800 pessoas com um orçamento acima de 75 milhões de dólares. Em 2010, 21,4% das vendas das indústrias Mondragon eram de novos produtos e serviços que não existiam há cinco anos antes. Além do mais, a Mondragon se estabeleceu e expandiu a Mondragon University; inscreveu 3.400 estudantes em seu ano acadêmico de 2009 à 2010, e seus programas de graduação estão em conformidade com todos os requerimentos do quadro europeu de educação superior. O total de inscrição de estudantes em todos os seus centros educacionais em 2010 era de 9.282 alunos.

A maior corporação na região basca, a Mondragon, é também uma das dez maiores corporações (em termos de vendas e emprego). Muito melhor do que sobreviver desde a sua fundação em 1956, a Mondragon tem crescido de forma impressionante. Ao longo do caminho, foi adicionado um banco cooperativo, Caja Laboral (sustentando quase 25 bilhões de dólares em depósitos em 2010). E a Mondragon tem se expandido internacionalmente, atuando hoje em mais de 77 empresas fora da Espanha. A Mondragon tem provado para si mesma capaz de crescer e prosperar como uma alternativa para com as – e concorrente das – organizações capitalistas de empreendimento.

Durante minha visita, em encontros aleatórios com trabalhadores que responderam minhas perguntas sobre seus trabalhos e benefícios como membros de cooperativa, eu encontrei uma familiaridade e um senso de responsabilidade pela empresa como um todo que eu associo somente com gerentes e diretores principais em empresas capitalistas. Essa conversa simples (incluindo desacordo), por exemplo, entre trabalhadores de linha de montagem e gerentes principais dentro da fábrica de máquina de lavar Fagor que nós vistoriamos, foi igualmente extraordinário.

Nosso anfitrião da Mondragon na visita nos lembrou duas vezes que o empreendimento deles é uma empresa de cooperativas com todos os tipos de problemas:

Não somos um tipo de paraíso, mas sim, uma família de empresas cooperativas lutando para construir um tipo diferente de vida ao redor, de uma maneira diferente de trabalhar”.

Todavia, dado a performance do capitalismo espanhol nestes dias – 25% de desemprego, um sistema bancário quebrado e austeridade governamental imposta (como se não houvesse alternativa ao que seja) – a Mondragon parece um agradável oásis em um deserto capitalista.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.


Richard D. Wolff é professor de economia e lecionou economia de 1973 à 2008 na Massachusetts University. Atualmente leciona no programa de graduação em International Affairs do New School University, como em Brecht Forum.